PUBLICIDADE

Revisitando Nós | Jordan Peele em sua camada mais bizarra

Mesmo não superando o sucesso de “Corra”, a filmografia de Jordan Peele ganha ainda mais prestígio com “Nós”

“Nós” — ou “Us” no título original —, um dos mais relevantes filmes do ator, diretor e roteirista Jordan Peele, conta a história de uma família que parte para uma viagem litorânea e, por lá, encontra sósias agressivos de cada um de seus membros.

Além de um filme de terror, “Nós” traz camadas de “alfinetadas” sociais sobrepostas a outras de humor e tensão, característica comum aos trabalhos de Peele. O nome da película, inclusive, pode ser uma crítica aos próprios Estados Unidos: isso porque seu nome original é “Us”, o que remete a “United States”, nome do país em sua língua original.

Se você ainda não viu o filme, é possível que não entenda alguma das coisas indicadas ao longo desta leitura — mas pode seguir adiante! Este texto não conta com spoilers óbvios.

Embora a questão do racismo ainda esteja deploravelmente espalhada pelo globo, ela é latente em muitos níveis nos EUA. Jordan Peele opta por trabalhar com um elenco majoritariamente negro em seus trabalhos, e aproveita esse destaque para trabalhar em “Nós”, sutil e ironicamente, a discriminação racial. Mesmo não abordando tanto essa temática quanto em “Corra”, um elemento que mostra os privilégios sociais estadunidenses é a dualidade entre aqueles que vivem acima da terra e os demais, que vivem no subsolo, onde a vista não alcança. Essa segregação feita entre o mundo dos indivíduos “reais” e de seus sósias, indicados como personagens “do mal”, indica o que é mostrado e o que é escondido, como se os habitantes do subterrâneo fossem uma espécie de civilização à parte, com a necessidade de seguir o que é imposto por aqueles que estão acima. 

Contudo, não é apenas a dualidade social que é abordada no filme – o diretor usa uma sacada genial para tratar a dualidade que há em cada um de nós. A personagem principal, Adelaide, interpretada por Lupita Nyong’o, carrega um segredo consigo por toda a sua vida, mas mesmo assim é vista como a mocinha quando luta para se defender de quem é injustamente transformada em vilã: a personagem Red, sua “cópia maligna”, que de maligna não tem nada. 

As tesouras, objetos muito presentes nas cenas, ilustram os dois pontos apresentados anteriormente: embora sejam utensílios que apresentam partes constituintes idênticas, elas sempre vão estar opostas entre si. A partir dos simbolismos trazidos acima, é possível pensar: quem somos “nós”? Do que é que eu faço parte, com o que eu compactuo? Qual é o meu lado nessa história?

No fim das contas, o filme de Jordan Peele nos convida a perceber que cada indivíduo comete pequenas violências, de diversas maneiras, dentro de uma sociedade. Ao olharmos por este ângulo, percebemos que o verdadeiro terror do filme não é o que nos é mostrado diante da tela, mas sim o que nos é dito sem que qualquer palavra seja proferida.

86/100

Total
0
Share