“The New Abnormal”, dos Strokes, e as crises dos mundos

O divórcio de Julian Casablancas é o pontapé para que The New Abnormal, disco que completa cinco anos em 2025, retrate a ruína da humanidade

O novo anormal: assim é a tradução de The New Abnormal, disco mais recente da banda The Strokes, que completa cinco anos de lançamento. Tudo poderia ser normal, não fosse seu nascimento pouco mais de um mês depois do início da pandemia no coronavírus, em 2020. Parece distante, e talvez seja, mas não faz muito tempo. Não se você pensar na ótica sanitária, de que até algum tempo atrás ainda andávamos usando máscaras e passando álcool em gel em toda e qualquer superfície do nosso corpo. No entanto, pensando em um trabalho de uma banda, já está na hora dos Strokes lançarem algo novo. Sem pressa, apenas lembrando que um lustro — isto é, cinco anos — equivale a meia década. 

O disco veio ao mundo um dia depois do aniversário de Albert Hammond Jr., guitarrista do quinteto. Em meio ao isolamento, os fãs tinham ao alcance um trabalho dos Strokes depois de sete anos (talvez cinco anos não seja tanto tempo assim diante dos intervalos de lançamento do grupo). Uma nova experimentação dentro da sonoridade da banda, com produção inédita de Rick Rubin, produtor do enormemente formidável Blood Sugar Sex Magic, dos Red Hot Chilli Peppers. O sexto álbum do grupo trazia a mesma aura de caos controlado que marcou os primórdios dos Strokes. Cinco anos depois, o disco não apenas envelheceu bem — ele amadureceu com a mesma elegância torta e crua que caracteriza o melhor do grupo nova-iorquino.

The New Abnormal é o antigo normal

Para muitos fãs, o álbum representou uma espécie de retorno à forma. Depois de projetos experimentais que dividiram opiniões Angles (2011) e Comedown Machine (2013), The New Abnormal soou como um reencontro — não necessariamente com o som de Is This It (2001), trabalho de estreia do grupo, mas com a essência que fez dos Strokes uma das bandas mais influentes do início do novo milênio. Era como se eles tivessem parado de tentar provar algo e apenas feito música que gostariam de ouvir. Claro, com alguns detalhes daqui e dali vindos de experimentações que os vinte anos de carreira apresentaram aos membros. 

Faixa a faixa

O cerne de The New Abnormal parte do divórcio de Julian Casablancas, frontman do grupo, com Juliet Joslin, mãe de seus dois filhos e com quem foi casado por catorze anos. As referências são tão claras que o vocalista chega a mencionar o nome da ex-esposa na canção “Brooklyn Bridge To Chorus”, uma das mais alegres e dançantes do disco. Sem prestar atenção na letra, dá para se divertir um tanto. É o “Pumped Up Kicks” dos Strokes, dentre alguns outros exemplares que o quinteto compôs desde 2000. Essa talvez seja, inclusive, uma das faixas mais alegres do disco. “Selfless”, “At The Door”, “Why Are Sundays So Depressing”, e “Not The Same Anymore” são, por sua vez, introspectivamente desoladoras. 

Há uma contorção interna ao ouvir Casablancas cantar, entre o desleixo charmoso e o falsete apetecível, ao dizer que está tomando decisões ruins pelo bem de seus filhos em “Bad Decisions” e, logo depois, que a vida é uma jornada curiosa em “Eternal Summer”. E é conversa de gente grande, como um pedido para a esposa não assinar os papéis do divórcio, que dita o tom do disco logo no princípio, na infeliz e sexy “The Adults Are Talking”. Até rola uma homenagem para o time de baseball preferido dos Strokes em “Ode To The Mets”, última faixa do álbum, mas a letra, que conta a história de uma pessoa carente, fora de controle e que não sabe o que fazer da vida, não condiz muito com o esporte. Seria necessário acompanhar baseball para descobrir o contexto ou pode-se assumir que — mais uma vez — trata-se do divórcio de Julian?

A desordem de sempre

Em nove faixas, The New Abnormal equilibra melancolia e cinismo, amor e alienação. A sonoridade é coesa, dentro da anarquia contida dos Strokes: tem ópera espacial, sintetizadores, nostalgia oitentista, verão distópico e experimentos lisérgicos. Tudo isso sem abrir mão do rock indie marcante da banda que carrega e sustenta o grande peso de ser basilar para as bandas do gênero que vieram em seguida. Mesmo inovando, os Strokes são um dos poucos grupos que concentram a essência do indie.

O título do álbum, retirado de uma fala do então governador da Califórnia sobre a pandemia, ganha hoje contornos quase proféticos. “O novo anormal” não era apenas sobre 2020 — tampouco somente pelo divórcio de Casablancas. Crises políticas, redes sociais peçonhentas, colapsos ambientais, crises climáticas e a busca desesperada por alguma autenticidade em meio ao ruído. Os Strokes, desencantados e afiados, pareciam entender tudo isso antes da maioria. The New Abnormal mostra um disco dos Strokes mais maduros.

É um bom álbum, ponto. E, talvez, o mais importante: não tenta reviver o passado. Ele o reconhece e o respeita, mas segue em frente — como os próprios Strokes fizeram, depois de vinte anos no centro (e nas bordas) da cultura pop. E é bom que Julian Casablancas também siga em frente e compreenda que não tem mais seus vinte anos, mas talvez isso de se relacionar com garotas muito mais jovens seja coisa de rockstar desolado. No final das contas, The New Abnormal é um disco sobre aceitar o estranho, o imperfeito, o inevitável. É sobre dançar em meio ao colapso. E se isso não é a trilha sonora ideal para o mundo que herdamos, não sei o que seria.

87/100

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