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Crítica | First Cow – A Primeira Vaca da América reúne melancolia e amizade como pontos chave

Abordando uma amizade improvável, filme evoca com melancolia conceitos incríveis sobre companheirismo e sobrevivência

Não é muito pensar que tudo ao nosso redor conta diversas histórias, é básico. Isso porque quando passamos por todo e qualquer lugar, logo criamos lapsos, conexões que, caso queiramos, se tornem boas memórias, para que um dia, ao abraçarmos o sentimento de nostalgia, a lembrança daquele lugar se torne confortável.

“Melancolia profunda causada pelo afastamento da terra natal”, essa é a definição primária para “nostalgia”, o substantivo feminino que em “First Cow – A Primeira Vaca da América” ganha sobrevidas enraizadas na natureza do nosso cotidiano, que hoje, devido às escolhas das pessoas no passado, não são nossas escolhas.

O longa com roteiro, direção e montagem de Kelly Reichardt assume a posição de mostrar o quanto pessoas nesse mundo vão de um lado para o outro em busca de melhorias sem ao menos saberem que estão nessas viagens incansáveis. Quem transparece essa ideia com clemência é o personagem Cookie (John Magaro), um dócil cozinheiro que ao lado de caçadores em busca de ouro, prepara as refeições. A trama o segue ao lado de King-Lu, que está fugindo depois de ter assassinado um homem. A partir dessas duas jornadas, os dois se unem e passam a viver juntos com o propósito silencioso de sobreviver.

Silêncio esse que fala muito nas duas horas de duração, e tudo que acontece nesse tempo não merece uma sinopse ou descrição completa, pois a maneira não linear que a história é tracejada é simplesmente mágica, redonda, e sem mais nem menos. Tanto que é de maneira corriqueira que King-Lu propõe a Cookie vender os bolinhos do cozinheiro, e a partir daí, o motivo que os leva à esse plano e o desenrolar dele, exibe atos sobre oportunidades de riqueza, e cobiça.

O plano dá mais do que certo, porém, o leite, que é o ingrediente secreto que vem da única vaca (criada pelo chefe do Entreposto comercial, intepretado por Toby Jones) da região do Oregon, é o maior problema em meio a solução. É curioso pensar que algo tão comum quanto o leite de uma vaca seja motivo para toda a semiótica presente no filme, talvez seja um simbolismo sobre priorizar as coisas simples que temos ao nosso redor.

Silêncio e contemplação são as palavras que mais cabem no esqueleto no longa, isso porque o contexto de sobrevivência é exposto e se propaga por ele. Sãos os planos longos, a ambientação úmida e quieta, conflitos que não são repletos de drama, uma trilha sutil e atuações tranquilas, que fazem jus ao que o coração dessa obra demanda expor. Pontos esses que são evidenciados como uma poesia através da direção de Kelly Reichardt, que explica ternura sob cores neutras.

E a parte técnica se soma muito bem com a ambientação e enredo, que visa sempre dimensionar as definições de solidariedade. Em momento algum os personagens ousam gritar que a vida que levam não lhes é digna ou coisa assim, mas é através do afeto que os protagonistas mostram um pelo outro (que é deslumbrante e vigente) que o jogo fica a mostra: sempre precisaremos uns dos outros.

E é simplesmente louvável a maneira que a união do duo serve para nos contar uma história envolvendo sobrevivência, melhor ainda é ver como isso se progride. É quase como semear uma planta e não reparar que ela está crescendo, e quando você se dá conta, ela se tornou uma árvore cheia de galhos e folhas que são unicamente ricas de simplicidade. Simplicidade essa que nos é retratada de maneira complexa, e sempre fermentando conceitos importantíssimos sobre amizade.

Alguns minutos a menos aqui talvez fariam alguma diferença na digestão inteira do longa, ou talvez não, já que assim como outras inúmeras obras, nessa aqui, cada momento conta outras imensas histórias. Acima de tudo, a jornada mostrada é bastante persuasiva por trazer tantas camadas sob um discurso envolvendo companheirismo, e o começo que esboça o fim, é lindo e até irreal.

First Cow – A Primeira Vaca da América” está em exibição nos cinemas e disponível nas plataformas digitais com distribuição da Vitrine Filmes, e chega na MUBI dia 10 de julho.

Nota do autor: 70/100

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