É difícil encaixar o Black Country, New Road, em algum lugar. Musicalmente, de Beach Boys, Jockstrap a Neil Young, é quase impossível encontrar todas as suas referências. Estruturalmente, é interessante pensar na atual formação da banda — quase todo mundo revezando nos vocais e entre os mais diversos instrumentos, (o que, aliás, não é grande dificuldade diante do amplo domínio musical de seus integrantes) e, acima disso, do interesse em trabalhar com milhares de sonoridades e formas de produzi-las. E Emocionalmente? É entre términos dilacerantes e os sentimentos mais bonitos que alguém pode sentir pelos amigos que reside parte do escopo lírico, muitas vezes com pitadas do surreal, de suas letras.
Inclusive, fazer esse recorte é tarefa que pareceu se tornar mais difícil após a saída de Isaac Wood, parte importante como mente, letra e voz por trás de muitas das canções do caótico For The First Time (2021) e o fan-favorite (titulo até merecido) Ants From Up There (2022). Este último jamais veria a luz do dia em versões ao vivo, afinal, uma semana após seu lançamento, Wood deixou o BCNR por questões envolvendo sua saúde mental. Em respeito à sua ausência, o grupo decidiu nunca apresentar esse lar de canções vulneráveis e pessoais nos palcos, afinal, um de seus criadores já não estaria mais ali.
Isso não decretou o fim do grupo. Muito pelo contrário, foi o catalisador de um trabalho completamente ao vivo — o Live At Bush Hall (2023). Com repertório somente de inéditas, os integrantes Lewis Evans, May Kershaw e Tyler Hyde se dividiram nos vocais, enquanto a banda, na totalidade (que também conta com Georgia Ellery, Charlie Wayne e Luke Mark), começou a desenhar formações únicas para cada faixa, se permitindo experimentar muito mais em composições que, claro, não pretendiam, no ato, deixar o legado (e o carinho) de Isaac de lado.
Longe de tentar escrever por cima do passado, a sequência de apresentações que a banda faria após o Bush Hall significou uma reviravolta que talvez nem seus membros estivessem esperando, lançando músicas novas em shows aleatoriamente, experimentando novas formações e jeitos de fazer música ao vivo e ampliando as fronteiras do que seriam “funções” entre si. E foi em meio ao desafio de manter o nome Black Country, New Road, com uma “velha cara nova”, que nasceu o Forever Howlong, álbum de estúdio lançado neste mês.
“Besties”, o colorido primeiro single do trabalho, já parecia levar para um lado mais simpático, harmonioso se comparar com uma trend do tiktok apenas porque você pode colocar isso na letra — é coral e orquestra animada, com uma meiga letra sobre querer ser mais do que a melhor amiga da sua amiga e com direito ao humor meio pós-irônico que também figura em outros trabalhos.
Já “Happy Birthday”, a segunda faixa promocional, tenta trazer uma perspectiva de valorizar os privilégios da vida quando tudo parece sem esperança. E, se à essa altura do campeonato o disco talvez estivesse indicando que iria por lados menos edgy e perspectivas mais solares, essa, na verdade, seria uma forma limitada de definir o que Forever Howlong tem a apresentar. O disco, na verdade, é um grande salto para seus integrantes remanescentes. Soa injusto tentar comparar com trabalhos anteriores, pois a impressão que fica é que agora um leque imenso se abriu. A sintonia entre a banda parece mais alta do que nunca — é a união entre complementar letras, reescrevê-las, experimentar com novas instrumentações, tentativas e erros que reforça o quanto são honestamente apaixonados pelo processo, pela criação e, por que não, uns pelos outros.
Entregando uma mistura que vai entre folk, pop barroco e jazz experimental, a produção de Forever é assinada por James Ford, responsável pelos recentes e excelentes Romance, do Fontaines D.C., e Prelude to Ecstasy, do The Last Dinner Party. Ford conseguiu preservar em estúdio a delicadeza e complexidade dos arranjos de algumas das faixas que já eram conhecidas do público, oferecendo refinamento e valorizando os vocais.
Nesse aspecto, também é interessante observar como essa maior complexidade e novas organizações criativas impactam nas temáticas. Exemplo disso é na forma como canções como a explosiva “Salem Sisters”, ou na épica, voraz e com jeito de opera-rock (e que provavelmente agradará viúvos do Ants) “Two Horses” e a melancólica “Mary”, por exemplo, tratam de histórias contadas sob uma perspectiva claramente feminina.
Na escrita de May Kershaw, Tyler Hyde e Georgia Hellery, diferentes histórias de vida se juntam à evocação de fortes imagens, como a das bruxas ao longo da história, tramas western sobre violência e traição, ou narrativas delicadas sobre prostitutas e a experiência (ou perda) da maternidade — sendo esta última temática brilhantemente trabalhada em “Nancy Tries to Take The Night”. São novidades como essas que tornam a audição de Forever Howlong um processo que vale ser repetido para que se assimile tanto a produção quanto suas letras e o trabalho na totalidade.
É nessa infinitude de possibilidades que o BCNR parece ter encontrado sua perspectiva ao enfrentar uma realidade que você também acabou de conhecer. Sendo uma banda bem jovem e encarando a grande expectativa da crítica e de um público que, apesar de nichado, também parecia ter suas questões com o que surgiria a seguir. Seria recomeço ou continuação do delicado processo de se reencontrarem como banda, mas também de formas individuais?
A noção de fragilidade — como em “Goodbye”: I’ve fallen in love with a seedling / A towering flower that’s grown so incredibly high — caminha lado a lado com a segurança com que esse projeto se sustenta. Existe algo de muito potente em conseguir se abrir para a sensibilidade e a incerteza, e transformar isso em narrativa com tanta coragem, como acontece ao longo do disco. É justamente essa entrega que permite um resultado sonoro tão rico: um álbum que atravessa diferentes paisagens musicais sem dificultar o elo entre ouvinte e os temas centrais — amor, amadurecimento, solidão.
Forever Howlong só mostra que, com o perdão do trocadilho, a nova estrada do Black Country, New Road, é excepcionalmente promissora.