Letrux reflete sobre os 5 anos de “Aos Prantos”

Em entrevista exclusiva, Letrux fala sobre o legado de seu segundo disco, Aos Prantos, e conta detalhes do seu novo show

No dia 13 de março de 2020, o Brasil anunciava um confinamento devido a uma pandemia que se arrastaria por mais de dois anos. Os estúdios fecharam, os palcos ficaram vazios e a indústria do entretenimento se viu obrigada a se reinventar, recorrendo às lives no Instagram para se manter viva. Em um cenário tão desfavorável, talvez um artista pensasse duas vezes antes de lançar um disco. Mas Letrux não teve escolha: seu segundo álbum foi lançado poucas horas antes do anúncio que, literalmente, parou o país. 

Em um contexto tão pouco propício para o sucesso de um projeto independente, Letrux Aos Prantos não é apenas um disco qualquer – ele acabou se deparando com o cenário “perfeito” para que canções melancólicas ganhassem espaço e fizessem ainda mais sentido.

Como uma espécie de presságio esquisito no melhor estilo Letrux, Aos Prantos encontrou seu lugar no cotidiano pandêmico de fãs ao redor de todo o Brasil. Suas letras, escritas antes mesmo da COVID-19 estampar capas de jornais, viajam por dentro do íntimo de Letícia Novaes, nome de batismo da artista, e surgiram da necessidade de um olhar mais introspectivo após o noturno e expansivo Noite de Climão, lançado no ano de 2017.

A capa do álbum Aos prantos mostra Letrux segurando um quadro pintado por Maria Flexa, baseado em uma foto de Victor Jobim. A foto é de Ana Alexandrino, e o design de arte foi feito por Pedro Colombo. (reprodução)

Mas se engana quem, pelo título, supõe que se trata de uma obra estritamente triste. O disco, na verdade, funciona como um convite a um enorme choro coletivo – seja ele de felicidade, emoção, luto ou contemplação. Agora com 5 anos, Letrux Aos Prantos, indicado ao Grammy Latino, ocupa o lugar de uma nostalgia agridoce, uma espécie de álbum-conforto.

Em entrevista exclusiva para o escutai, Letrux reflete sobre o aniversário de meia-década de Aos Prantos, seu contexto pandêmico e os shows de divulgação do disco. 

Como você enxerga o disco hoje, depois de 5 anos? 

“Eu acho que esse disco é um tesouro. Alguma coisa aconteceu depois ou durante do Climão, eu estava com alguma sensibilidade muito aflorada. Se eu ouço [o álbum] ou se alguém posta, eu falo ‘Nossa, essa música é bonita pra dedéu!’. Tem músicas ali que dialogam muito com a pandemia, mas sem saber que viria uma pandemia, aconteceu alguma magia. Apesar de agora estarmos na rua, eu sempre lembro que esse disco é uma melancolia que as pessoas podem recorrer quando elas querem ouvir uma música mais ‘assim’ [Letícia cerra os punhos e os aproxima do peito].”

O disco foi lançado no dia 13 de março de 2020, o dia em que a pandemia da COVID-19 parou o Brasil. O país já vinha de meses complicados para a política e você toca nesse assunto em diversas músicas. Como foi lançá-lo nesse contexto?

“As composições foram tomando outros significados, foi bem louco. Por exemplo, em ‘Fora da Foda’ com a Lovefoxxx tem os dizeres ‘preguiça da rua, medo do quarto’. As pessoas ficavam prestando atenção e eu dizia ‘gente, eu não fiz pensando em isolamento’ [risos]. A pandemia piorou uma coisa que já não estava muito boa no Brasil, então muitas composições têm essa sensação de ‘sou uma mulher, cantora independente, bissexual, brasileira, olha o que eu estou vivendo…’ O [show do] Climão tinha uma coisa de eu entrar no hotel e chorar muito. Chorava de emoção, de gargalhar na van com a banda, de solidão também… é aquela velha história, Judy Garland, Madonna, todo mundo abraça todo mundo mas eu voltava para o hotel sozinha […] Tudo isso foi virando o Aos Prantos, essa sensação do país, da solidão, muita gente chorando no show… A minha esponjinha pegou e eu pensei: acho que precisamos fazer um disco sobre choro.”

Letrux por Ana Alexandrino (reprodução)

O álbum contrasta bastante com o Noite de Climão, que é um disco noturno onde você canta sobre o externo, e nesse você olhou mais para dentro. Houve alguma resistência do público com essa mudança?

“Acho que as pessoas ficaram com uma sensação de ‘ai, que estranha!’ e eu falei ‘mas o que se tem depois do auge da pistinha? voltar para casa!’. Eu sou uma pessoa que vai para casa e pra mim o Climão não tinha after, eu só podia pegar o Uber pra casa e chorar. Arte não é para gostar de cara, tem vários livros que eu amo e que eu abri numa situação que não rolou. 

Acho que a reação foi bem 50/50, muita gente disse ‘estou preparada, vem!’ e muita gente estranhou mas depois acabou embarcando ou pessoas que não embarcaram e tudo bem, vida que segue.”

Principalmente pelo contexto da pandemia, o álbum acabou por ocupar um lugar muito “confortável”para ele crescer, talvez por isso o público absorveu melhor depois, né?

“Sim, apesar da pandemia ter sido horrível e cruel em muitos sentidos, de alguma maneira muito esquisita, as músicas podem ter sido melhor absorvidas por estarmos num momento mais introspectivo, em isolamento, com saudade das pessoas, com saudade de estar em convívio. Então essas músicas acabam dando um carinho esquisito, né? Não dá pra saber como teria sido se não tivéssemos a pandemia.”

Embora o disco seja melancólico e turvo em muitos momentos, existem músicas mais noturnas, como “Vai Brotar”. Como você lidou com essa dualidade?

“Eu sempre fui luau, sempre fui aquele símbolo do yin-yang, onde tem o caos, tem o cosmos. Quando eu emburaco, eu emburaco. Quando eu tô alegre, eu sou muito engraçada, e eu acho que o ser humano é assim. ‘Vai Brotar’ nasceu de uma situação em que eu e o Arthur dividíamos o hotel, pegávamos avião juntos, e em algum dia eu disse ‘amigo, tô aqui com uma ideia’ e a gente se complementava. Nossa parceria é muito bonita e fértil. Aquilo fazia parte da melancolia que atravessávamos, tinha uma coisa de querer tacar fogo. Uma hora a melancolia só passa quando a gente taca fogo nesse quarto e bola pra frente, então o fogo está tão presente quanto a água. Menos, mas está.”

Como foi levar esse álbum para os palcos?

“O Climão causava climão e o Aos Prantos causava alguns prantos [risos]. No primeiro show, quando eu saí do palco do Sesc Pompeia, eu passei mal [de chorar], era muita concentração, foi 2020 e 2021 sem fazer show, então quando eu finalmente fiz eu fiquei realmente aos prantos, mas depois disso eu não chorei mais. Eu pensava ‘já chorei tanto fazendo o disco, agora é hora do choro do gozo’. Tivemos respostas muito bonitas, não conseguimos fazer uma turnê enorme, mas conseguimos tocar em festivais […] Foi muito bonito ver as pessoas amando as músicas em Portugal, na Alemanha, na Inglaterra… fomos em lugares em que fomos muito bem recebidos. 

Eu sou muito palco […] eu estava assim “preciso cantar Déjà-vu Frenesi para as pessoas”. Então montar o show [dois anos depois] não foi esquisito. Era um delay, mas fazia sentido. ‘Quem não chora não consegue ir embora…’ [letra de “Vai Brotar”]”

Letrux por Ana Alexandrino (reprodução)

O catarse aconteceu no Aos Prantos, e no Mulher Girafa, seu terceiro disco, você está muito mais leve. Como foi o processo de transição entre os dois projetos?

“Eu acho que quando a gente conseguiu ter a vacina, o número de mortes foi caindo e a sensação de alguma normalidade voltou, eu me senti muito mais bicho, muito mais instintiva. Acho que eu neguei muito minha animalesquidade, mas na pandemia eu falei ‘eu sou bicho!’. Depois desse olhar interno no Aos Prantos, eu falei ‘beleza, existencialista, dramática, mas também sou bicho’, reflito e sofro, mas aqui, ó, louva-deusa. Percebi que não sou tão racional quanto penso, também sou mais passional de alguma maneira. O Mulher Girafa é um mix, meio humana, meio animal. Tem esse draminha, mas também tem um ‘vai dançar, minha filha!'” 

E tem alguma novidade vindo em breve? Você quer compartilhar algo com o escutai?

“É um novo show! Se chama Letrux – 20 anos alternativa. Em abril deste ano fazem 20 anos que eu fiz o primeiro show da minha vida e eu achei uma data simbólica, falei ‘gente, aquele showzinho mequetrefe foi em abril de 2005’ [risos]. Eu fiquei pensando nessa cena alternativa de 2000 a 2015 e falei ‘acho que quero homenagear essa cena!’. Eu acho importante a gente olhar para a nossa cena alternativa e enaltecer, então neste show eu vou cantar Anelis Assumpção, Curumin, Banda Eddie, Cícero, Tulipa Ruiz, bandas que nem existem mais… Talvez toque também uma música de Letrux, de Letuce, porque eu sou a cena alternativa [risos]. Estou muito animada!”

A nova turnê de Letrux já conta com algumas datas anunciadas e você pode conferir mais detalhes nas redes sociais e no site oficial da artista. 

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