Notes on a Conditional Form: o caos (e a honestidade) do The 1975

O primeiro lustro do disco mais caótico da banda mostra que, de um jeito ou de outro, Notes on a Conditional Form era um trabalho necessário

A pandemia impediu que muitos discos, há tempos planejados para ser lançados em 2020, tivessem suas músicas performadas em palcos de shows e festivais, diante de grandes plateias. Alguns exemplos são Chromatica, de Lady Gaga, e Future Nostalgia, de Dua Lipa. Para completar uma tríade (nem tão pop assim), entra Notes on a Conditional Form, quarto disco de estúdio da banda britânica The 1975. O trabalho lançado em maio de 2020 completa cinco anos ainda soando como um manifesto caótico de uma geração em crise. 

Colagens emocionais

Com 22 faixas e quase uma hora e meia de duração, Notes on a Conditional Form é um projeto ambicioso, fragmentado e experimental. Embora desconexo, NOACF resume o trabalho que o The 1975 havia entregado até 2019: multifacetado, mutante, experimental. A pouca coesão que o disco antecessor, A Brief Inquiry into Online Relationships (2018), apresentou, introduzia a vontade do quarteto de, depois de emplacar algumas faixas nos charts britânicos, trabalhar com o inexplorado. Os discos anteriores do The 1975 são marcados por coesão estética (mesmo com suas ousadias sonoras) muito cara à banda. Já NOACF se assume um mosaico de ideias. Uma espécie de arquivo de áudio de uma mente hiperconectada. 

The 1975 sempre foi uma banda preocupada em refletir sua época, seja por meio da personalidade de Matty Healy, que ultrapassa a música e atinge os blogs de fofoca, ou da produção de George Daniel, também conhecido como “o noivo de Charli XCX”. Notes on a Conditional Form levou essa intenção ao limite. É um disco difícil de amar à primeira escuta, mas que recompensa a escuta atenta com camadas de significado, vulnerabilidade e tentativa de entendimento. Traduzindo: mesmo que você seja fã da banda, o álbum está longe de ser o seu favorito. Ou o favorito de qualquer um.

Notas sobre a desordem

A composição introdutória de todos os discos do The 1975 leva o nome da banda e, até então, eram diferentes versões das mesmas melodia e letra. O álbum lançado em 2020 começa, no entanto, com uma letra diferente: um discurso da ativista Greta Thunberg, convocando à ação frente à crise climática. “The 1975” — a faixa, não a banda — estabelece o tom de urgência existencial que é perpetuada ao longo do NOACF. “The Birthday Party”, por exemplo, fala sobre evasão emocional e vícios cotidianos. “Nothing Revealed / Everything Denied” questiona a autenticidade na era da exposição. “Don’t Worry”, composta pelo pai de Matty, Tim Healy, é um resgate (falido) à infância, quase como uma tentativa de acalmar uma criança com medo. 

A experiência transmídia do disco (mais explicações a frente) passa pelo punk berrado de “People” ao folk melancólico de “Jesus Christ 2005 God Bless America”, em parceria com Phoebe Bridgers, passando por trilhas eletrônicas (“Yeah I Know”) e baladas pop como “If You’re Too Shy (Let Me Know)”. O disco flerta com tudo — às vezes sem filtros, como quem posta uma thread no Twitter às três da manhã. Para muitos, isso soa pretensioso; para outros, foi justamente aí que o disco encontrou sua honestidade. Mas quem faz tudo, não faz nada. 

A estética do inacabado

A capa do disco já sinalizava esse espírito. Ao contrário das capas anteriores, que seguiam a identidade visual da banda, minimalista e bem definida, Notes on a Conditional Form aparece com um arquivo de texto genérico, como uma anotação temporária, ou então um rascunho. O nome do álbum e da banda aparecem em letras miúdas, como metadados de um arquivo no computador. A escolha é deliberada: NOACF é sobre a forma, ou a sua falta. O disco é um bloco de notas musical, uma obra que não pretende oferecer respostas, apenas levantar questões.

Se colocadas em caixas nomeadas “melódicas”, “operísticas” e “manifestos”, as mais de 20 faixas de NOACF fazem sentido. E são verdadeiramente boas. O que não funciona é o espírito inventivo e inquieto do projeto. Só que não se tratava de um disco-ensaio pandêmico que pudesse preencher o buraco causado pelo isolamento social ou pelo caos. A “noiva de George Daniel” fez isso com maestria em “how i’m feeling now”, porém The 1975 já planejava essa tempestade antes mesmo de qualquer alerta sanitário. Ou seja: toda a divergência e a experimentação sonora estavam nos planos do quarteto. Era isso mesmo que a banda queria. 

Então se trata de um álbum inchado, confuso e autocomplacente, ou é possível enxergar — ou ouvir — nele um retrato sincero de uma geração que vive entre a hiperconsciência e a paralisia, o engajamento e a apatia, o digital e o analógico? Num tempo em que tudo exige postura, resposta e engajamento instantâneo, NOACF é uma recusa a qualquer formato fácil. Uma obra desconfortável, mutante e, por isso mesmo, necessária (por mais que essa necessidade tenha caído em um discurso batido e massante). Podemos brincar e dizer que este é o disco que separa os fãs dos posers?

O audiovisual de Notes on a Conditional Form

Uma das iniciativas mais ousadas e coerentes com a proposta caótica e multiplataforma do disco foi o lançamento de um videoclipe para cada uma das 22 faixas do álbum. Esses videoclipes não seguem um padrão estético único, e é justamente isso que os torna tão interessantes. Assim como o álbum é marcado pela diversidade de estilos musicais, os vídeos variam de animações experimentais a registros de performances, cenas oníricas, recortes urbanos e colagens visuais que beiram o vídeo-arte. 

Muitas das produções foram lançadas diretamente no YouTube e contaram com diferentes diretores e artistas visuais. Tal esforço, quase coletivo, reforça a natureza fragmentária do projeto. É como se cada faixa do disco ganhasse seu próprio universo visual, suas próprias regras e atmosfera. Essa proposta ampliou o sensorial do disco — que já não era nada modesto.

O tempo passou, e o disco que ousou não buscar coerência ainda concentra o ruído, o excesso, o improviso. Cinco anos depois, ele ainda parece inacabado, porém soa como uma escolha estética premeditada, um espelho do que vivíamos em 2020 — e, talvez, ainda vivamos. Com pandemias, vícios, reabilitações ou nada disso. Ou tudo isso. Notes on a Conditional Form é uma obra difícil de ouvir e processar, mas é necessária. Ou não. Afinal, tudo sobre esse disco é uma contradição completa.

60/100

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