Ódio, liberdade de expressão e os opinantes das redes sociais

A discussão é insossa: na música, o que presta e o que não presta, afinal? Quem pode dizer o que vale ou não vale a pena?

O texto representa apenas a opinião de seu autor.

Moda na época da internet discada e do Orkut, o ódio ao que faz sucesso parece ter voltado com tudo nas redes sociais em 2023. Estamos vivendo tempos que pareciam ter ficado para trás, assim como tendências quadradas e ultrapassadas que certos artistas utilizavam aos montes para faturar uns milhõeszinhos no começo dos anos 2000.

Antes de começar, quero contar uma história rápida: meu pai, músico registrado e colecionador de vinis desde moleque, me dizia que, nos anos 90, o Metallica era duramente criticado por parte da sua fanbase por ter “mudado” o som no lançamento de seu disco mais estrondoso, o Black Album, homônimo. Fãs do Ride the Lightning ficaram revoltados com a nova mixagem, mais massuda e feita para as arenas e estádios, além dos videoclipes estarem sendo divulgados na popular MTV para alcançar mais pessoas. O mesmo aconteceu com nomes como KISS, Bon Jovi e até recentemente com os quase brasileiros do Coldplay.

É intrínseco na natureza humana o incômodo que a mudança traz. É quase um pesadelo a ideia de se sair da zona de conforto, ainda mais em âmbitos sustentados pela paixão. Na música, área em que mais nos encontramos por aí, tento há alguns anos entender o fenômeno que defino como “síndrome do underground”, onde experts de nada sentem-se livres para criticar tudo o que ganhou popularidade nos tempos modernos ou, neste caso, do que se tornou mais palatável para as grandes massas e deixou de ser direcionado para os “de verdade”. De alguma forma tendo a acreditar que essa má vontade não passa da necessidade de validação de odiar tudo que faz sucesso; estes são os diferentes, os revolucionários de fanfic.

Por outro lado, tento me colocar na pele daquele que está sucessível às críticas mas não as aceita de bom grado. O amargor da sensação de que não se pode ser criticado é um problema originado de quem muito bajulado e pouco instruído foi. O peso e a medida soam equivalentes, mas com a enxurrada de comentários maldosos na internet é até compreensível a reação raivosa de quem coloca o coração na caneta e ainda assim é ofendido. Porque se tem uma coisa que hoje em dia é vista aos montes é a tal impunidade para se colocar na posição de criminoso por aí. O preconceito enraizado permanece liberado através do anonimato.

Fazer arte parece fácil, mas há muito além do que se vê nas capas dos singles ou posição de charts: em todo projeto há uma grande equipe tentando obter o maior sucesso — que, goste ou não, é medido por números. É um trabalho como qualquer outro. Tudo funciona como uma agência de publicidade que tenta lançar uma campanha de grande conversão financeira; não alcançou a meta, é rua! E quem tá ali tá trampando igual a gente que parcela ingresso de show em 8x. Então, calma lá com essa vontade de humilhar quem tá na mesma caminhada.

O erro não está em quem trabalha, mas sim na forma que hoje consumimos e valorizamos a arte mainstream. O erro está nos milhões investidos em marketing de produto pronto, no “jabá” de se lançar uma fonte de renda para empresários. Por vezes, artistas são só fantoches.

São os algoritmos que ditam o ritmo desse jogo vicioso, mas felizmente nem todo mundo é fã do que é exato. Até porque arte não é ciência. Acreditar que a música possui uma fórmula para ser boa nem faz sentido, afinal, a subjetividade é o que torna tudo passional. Ainda assim, o protagonismo fica com o sentimento que cada artista coloca em uma obra — ou pelo menos deveria funcionar desse jeito. E é esse o real significado de sucesso, captado nos olhos e na emoção de quem consome, que realmente vale o trabalho e a perseverança. Sem romantizar nada, até porque grana é necessidade, mas são esses fãs, com seus momentos marcados por trilhas sonoras específicas, que permanecerão na hora que a água passar da cintura.

Foto: Carol Marins / We In The Crowd – The Town 2023 (reprodução)

Sinto que o problema maior está, como sempre, no conflito geracional. Quem tá envelhecendo não consegue aceitar que já não é mais o público-alvo das tendências da indústria — vide Jão, Olivia Rodrigo, Taylor Swift e até Måneskin —, assim como quem chega não gosta da ideia de não poder logo de cara sentar na tal janelinha por saber ler os charts da Billboard. “Ah, mas no meu tempo era muito melhor”, “ah, mas isso aí é coisa de velho…”. Quanta besteira. Li em um texto (que me inspirou a escrever tudo isso aqui) da querida Priscila Bertozzi, do LatinPop Brasil, que poucas coisas são tão cafonas quanto o etarismo e o elitismo dentro do meio artístico. E não poderia concordar mais.

A discussão é insossa e vale a reflexão: o que presta e o que não presta, afinal? O que torna um artista “merecedor” de seu sucesso? Quem pode dizer o que vale ou não vale a pena?

Foto: Stephanie Hahne / TMDQA! (reprodução)

No final das contas, deixamos de valorizar o que a música nos causa para sentirmos que temos razão na hora de “opinar”. E tudo isso endossado pelos hits das plataformas. É uma briga onde os dois lados esmurram a ponta da mesma faca, uma discussão onde o que mais importa sai perdendo: o som. Nos convencemos que estamos fazendo muito defendendo quem gostamos com unhas e dentes quando, na real, talvez a opinião nem valha tanto assim. Por vezes, o silêncio não comete erros.

Gostar de uma faixa pelo que ela te faz sentir virou segundo plano. Antes, precisamos saber se a Pitchfork a colocou como “Best New Music” ou se o Anthony Fantano deu, no mínimo, uma nota 7 em seu novo vídeo (com todo o respeito aos profissionais). “Tem nota verde no Metacritic? Agora sim posso ouvir sem medo”. Daí a gente vê se vale a pena. Ao vivenciar um show, parece que precisamos saber o que as redes sociais estão achando ao assistir a apresentação pela TV. O senso crítico individual respira por aparelhos, assim como a educação parece ter desaparecido na hora de formar um pensamento na internet.

A real é que parece que estamos vivendo em um mundo paralelo. Há aqueles que consomem e respiram música e show, e há aqueles que gostam de ouvir um som ou outro mas não fazem ideia do que acontece na indústria fonográfica. Daí vão a festival só para assistir o headliner e voltam para casa contentes. Esses, que vejo como “apreciadores de música de rádio”, parecem ser bem mais felizes que nós, que procuramos “trocar ideia” todos os dias sobre o que os artistas têm a oferecer. Isso porque eles nunca estendem o assunto, mesmo sendo muitas vezes conservadores ao acharem que só o que eles gostam presta. A sensação que fica é que, mesmo quadrados, quem tá no raso aproveita mais a água do que quem mergulha lá no fundo.

Falamos tanto em tentar tornar o meio mais “abrangente” para todo mundo que, na prática, estamos nos transformando exatamente no que sempre criticamos: o estereótipo retrógrado que só aceita o que faz sentido na própria cabeça. Enquanto os mais antigos permanecem com dificuldades de aceitar que o tempo já é outro, os mais novos se perdem na doença dos números, que brilham os olhos de quem mal enxerga o que está na ponta do nariz.

Até quando vamos viver nessa ilusão que estamos abrindo portas para novas pessoas começarem a frequentar shows e consumir diversos tipos de música se o básico, que é respeitar o trabalho do artista e, principalmente, o gosto alheio, é quase um esforço? É meio óbvio até, mas não há nada de especial em odiar o que é adorado aos montes. E a ideia de achar que se sabe mais porque consome o que hoje é “trending” desde a última vez que o Maroon 5 ficou mais de três anos sem vir ao Brasil é idiotice.

Foto: Jão (reprodução)

O artista nunca estará imune às críticas. E graças por isso, afinal, nem todo mundo quer passar 40 anos de carreira fazendo a mesma coisa (com o máximo respeito a Angus Young e cia). Entretanto, é dever acreditar no que se cria. E o, fã, parte importante dessa roda que nunca para, sempre terá direito de opinar sobre aquilo que consome, afinal, o livre arbítrio é uma dádiva. Mas, de verdade, vai na manha. Passou da hora de parar de transformar tudo em guerra, principalmente quando falamos sobre música, algo tão subjetivo e bonito em várias frentes e formas.

O direito de não gostar não dá razão à vontade babaca de desrespeitar o que é criado e produzido com honestidade. Da mesma forma que enxergar verdade num trabalho não te torna o suprassumo da música contemporânea. Um poeta já falecido disse, lá em 1999, algo que até hoje ecoa na minha mente: “eu não peço que me entenda, só peço que respeite o que foi feito com suor”. Talvez essa seja a chave para ambos os lados.

Dia após dia sinto que, no final das contas, a ignorância parece ter realmente se transformado em uma benção. Torço para que não.

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