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Crítica | Miley Cyrus, “Plastic Hearts”

Abusando da persona rockstar, Miley Cyrus se prova como personalidade mutável em constante evolução com ‘Plastic Hearts’.

Quando pensamos em um artista que não é ligado unicamente a um gênero, duas coisas passam pela cabeça: ou um artista é muito bom e se limitar apenas a um estilo não o satisfaz, ou não sabe o que quer e passeia em vários até se encontrar no que realmente se encaixa… As duas opções podem ser positivas ou negativas, já que o que importa mesmo é o resultado final. Todo o caminho entre a sonoridade que alguém deseja até o que realmente é atingido pode acontecer de forma natural ou em uma confusão tão grande que é capaz de deixar fãs se perguntando o que é isso que eles realmente veneram.

Miley Cyrus é uma grande confusão, não há como negar, os sete álbuns em sua discografia soam como uma salada não só de sons mas também de personalidade, e as reinvenções que ela faz em si a cada era são tudo, menos discretas. Hoje em dia é muito difícil se chocar porque estamos num momento musical onde cada vez mais vemos artistas do mainstream sem medo de ousar, e também pelo fato de que Cyrus já chocou o suficiente quando lançou Bangerz em 2013, deixando de lado a persona de garotinha pop e se tornando referência (mesmo que por motivos errados) de alguém que faz o que quer.

Reclamar sobre o que foi feito em cada uma de suas eras soa como um exercício desnecessário, já ouvimos pop/rock, totalmente pop, urban (alguma tentativa de algo que até hoje ninguém entende em Miley Cyrus & Her Dead Petz) e até country… A surpresa é perceber que dentre todos esses estilos talvez apenas um deles não tem tanto a ver com sua essência. As pessoas ficaram chocadas com Younger Now (2017) quando o choque verdadeiro é aquilo não ter vindo mais cedo, vide suas raízes familiares no gênero. O rock também não surpreende justamente pela maneira que acompanhamos sua atitude evoluir enquanto pessoa pública.

No passado era possível até ouvir alguns corajosos dizerem timidamente que Miley Cyrus é uma rockstar, hoje é impossível não ter verbalizado isso pelo menos uma vez desde que começamos a assistir suas apresentações. Mas a maior dúvida que fica é: será que finalmente Miley se encontrou de vez no gênero que deveria, ou estamos acompanhando seu maior e melhor passeio musical?

Em um momento que a música popular parece ter estagnado um pouco em criatividade, o caminho mais fácil é simplesmente apostar em outra coisa, e aquele pop com elementos de rock que dominava alguns momentos dos anos 2000 na MTV ainda parece influenciar coisas vinte anos depois. Mas não é só desse passado que Plastic Hearts se alimenta, suas influências vão mais longe ainda e o resultado é um mix moderno, mas que não é errado ser chamado de vintage. ‘Midnight Sky’ é a maior prova disso, ouvir a música é ficar em dúvida se aquilo é algo muito atual ou muito antiquado, mas esse ‘modo’ retrógrado que a faixa apresenta é seu charme. Ela soa antiga e fresca ao mesmo tempo, e se não fosse a masterização em uma época digital ela facilmente passaria por algo direto dos anos 80.

A resposta óbvia disso é seu sample de ‘Edge of Seventeen’, mas não é só ele que deixa a música tão dúbia, é a atitude de quem a canta. Não é só com essa que percebemos uma sonoridade que viaja no tempo, ‘Bad Karma’ e ‘Angels Like You’ passeiam por no mínimo uns bons trinta anos, a parceria com Joan Jett não é exatamente algo tão grande quanto seu nome poderia providenciar, mas é o bastante para que o dueto funcione. A balada é um dos maiores acertos em termos de letra, quando Miley abaixa sua guarda para confessar sobre o quanto sua forma de amar é um caos por si só é onde descobrimos seu lado mais vulnerável. Sua composição tende a direcionar uma interpretação geral de que estamos ouvindo uma pessoa muito forte, que sabe tomar decisões e (como já dizia em 2010) que não pode ser domada.

‘Gimme What I Want’ e ‘Night Crawling‘ trazem a representação perfeita de como podemos imaginar o som que deve passar em sua cabeça desde que ‘assumiu’ a identidade que agora é tão marcante. Ambas são tresloucadas, gritadas e até seduzem. A primeira é um vislumbre do quanto estamos lidando com um artista ‘alfa’, alguém que em nenhum momento emana passividade, e que prefere verbalizar o que quer de forma bem clara mesmo que isso traga confrontamentos que podem gerar o início de fins. A segunda tem Billy Idol combinando perfeitamente, quando Cyrus canta é uma faixa completamente sua, na vez do colaborador parece que trocamos o disco e estamos ouvindo algo de sua própria discografia. É a parceria que quase ninguém esperava, mas que quando alguém ouve chega a imaginar como que nunca havia pensado em algo com um encaixe tão perfeito.

Existem dois extremos nesse disco, e as faixas que melhor representam isso são ‘WTF Do I Know’ e ‘Never Be Me’. As duas mostram exatamente como uma personalidade rockstar faz quando fala de si em suas músicas. Na faixa de abertura é a ousadia e sinceridade que determinam o tom, Miley indaga e quer saber porque esperam algo dela de forma tão afável, se recusando a dar qualquer desculpa ou explicação sobre a razão de ser como é e sua metamorfose. Falar isso logo na primeira música é como avisar o ouvinte que se espera alguma resposta é bom já se preparar, porque não terá… já que nem quem canta sabe. A segunda tenta dizer de forma leve sobre o que a artista não vai conseguir dar, ela não é estável, ela não é fiel e principalmente nunca será alguém que é necessário para outra pessoa. A letra se esconde em uma desculpa para falar que não adianta tentar querer algo que Cyrus nunca irá entregar, o aviso é um basta para que parem de colocar grandes esperanças em alguém que sabe que não pode (ou deve) viver se baseando no que querem.

A decisão de adicionar os covers de Heart of Glass e Zombie são um mimo para tanta gente que passou semanas ouvindo essas duas gravações e babando sobre o quanto ficaram boas na voz da artista. A qualidade de ambas é tão grande que nem chegam a destoar do resto do trabalho, já que até parecem ser uma grande influência em tudo que ouvimos até chegar nessa parte final. A sonoridade que fica é como se adicionássemos ‘glam’ ao Breakout (2008) mixado a uma versão adulta do que ela queria dizer em Can’t Be Tamed (2010). Curiosamente a fusão vem de discos da sua época de adolescência, onde talvez tudo que vemos agora já estava sendo gritado e ninguém ao menos percebeu.

O que Miley Cyrus vem tentando deixar claro durante todos esses anos da sua carreira musical é provar que simplesmente não é um depósito de expectativas alheias. Sua personalidade não é algo que ela veste sempre que a última se esgota, e sim algo em constante aprendizado, já que os ideais de uma pessoa comum não se aplicam a essa artista. Se no passado apenas pensávamos que tudo que estávamos acompanhando era um surto de rebeldia, hoje entendemos que aquilo era apenas alguém crescendo diante do público e tentando se entender como pessoa, enquanto questionava tudo que via pela frente.

“Por que devo me colocar nessa caixa?”, “por que devo me satisfazer com o que a sociedade diz sobre meu corpo e gênero?”, “por que devo cantar sobre o que as pessoas querem e ser um modelo de exemplo?”. As respostas para essas perguntas são coisas que a intérprete de Plastic Hearts nunca vai cansar de pensar sobre, e não porque isso é uma dúvida eterna, mas sim porque se questionar sobre esses assuntos é algo atrelado a um processo natural de evolução. O que resta para as pessoas que a acompanham é entender o recado dado e parar de querer resultados fixos para alguém tão mutável.

Nota do autor:
82/100

Ouça “Plastic Hearts” de Miley Cyrus

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