Quando Pose surgiu em 2018, toda a comunidade LGBTQIA+ teve um mix de alegria e ao mesmo tempo insegurança sobre a obra. A alegria em ver uma obra legitimamente representativa nas telas, mas a insegurança da mesma não passar da 1ª temporada. Obras que envolvem minorias tem em muitos casos o derradeiro destino de não durar muito, afinal são feitas para um nicho de público que em tese, não é a maioria respeitada.
Contudo, é válido afirmar que mesmo com uma vida curta, a série, que teve apenas 3 temporadas cumpriu seu papel com maestria, não só entregando um roteiro brilhante e um elenco realmente diverso, mas por saber como contar a história da minoria LGBTQIA+.
Ambientada a partir dos anos 80, a produção narra entre muitas histórias, a vida de mulheres transsexuais e gays negros da década, que encontraram na cultura artísticas dos ballrooms uma maneira de se expressar e um local seguro para ser quem se é, encontrando ali uma família e forças para lutar pelos direitos da comunidade na época.
Em sua primeira temporada, Pose nos apresenta Blanca (MJ Rodriguez), uma mulher trans, afro-americana, já inserida na cultura dos ballrooms que decide criar sua própria casa (como são chamadas as famílias artísticas dos salões de baile), para por meio da arte e do amor, acolher e cuidar de pessoas LGBTQs marginalizadas e expulsas de casa por viver sua verdade.
A protagonista – que também foi acolhida no passado por Elektra (Dominique Jackson), sua mãe na cultura dos bailes – inicialmente constrói sua família cuidando com muito amor e como uma verdadeira mãe para Angel (Indya Moore), Papi (Angel Bismark), Damon (Ryan Jamaal Swain) e Ricky (Dyllón Burnside). Contando sempre com a ajuda de seu melhor amigo, irmão de consideração e mestre de cerimônia dos ballrooms: Pray Tell (Billy Porter).
Se na primeira temporada somos apresentados a esta cultura festiva, acolhedora, artística e extremamente militante, no segundo ano da série, começamos a entender a proporção e todo o sofrimento que o vírus HIV/AIDS causou, principalmente às pessoas pretas da sigla. O show não poupa esforços em mostrar a crueldade do vírus e em como o cenário artístico foi importante para que cada uma das pessoas encontrasse amor e força para seguir lutando contra o preconceito e a intolerância da época.
É nesta temporada também que sutilmente, a produção começa a ambientar cada uma de suas personagens com um protagonismo próprio, criando assim, uma legítima ligação entre os espectadores e cada uma das mulheres e homens que compõe a narrativa. Dando mais espaço para outras personagens trans, extremamente interessantes como Lulu (Hailie Sahar) e Candy (Angelica Ross).
Ainda não assistiu as temporadas 1 e 2 de Pose? Temos 10 motivos para você fazer isso bem aqui.
LIVE, WORK and POSE!
Os ballrooms foram grandes festas artísticas, salões de baile que reuniam pessoas LGBTQIA+ em competições separadas por categorias artísticas que iam desde dança à presença em pista ao desfilar. Tendo seu auge na década de 80, os bailes foram uma forma de resistência da comunidade para se afirmar de forma artística e resistir à intolerância da época.
No conceito destes bailes, as pessoas criavam ‘houses’ ou ‘casas’ que recebiam nomes dados também aos seus membros, estruturando uma família para a competição, mas que era extremamente pautada por afeto, apoio, resistência e respeito.
O sucesso da história contada em Pose, trouxe os ballrooms de volta aos holofotes e não só a série foi um marco de sucesso, mas também trouxe curiosidade para a comunidade de conhecer mais das raízes que a fortaleceram com o passar dos anos.
Além de Pose, na televisão, é possível vivenciar um pouco mais da cultura por meio do programa Legendary da HBO Max (que chega no Brasil no próximo mês), um reality que reúne diversas houses em competição. A produção é comandada pelo mestre de cerimônias Dashaun Wesley e julgada por Jameela Jamil, Leiomy Maldonado, Megan Thee Stalion e Law Roach, que eliminam a casa com menor desempenho em cada episódio e consagram a melhor, no fim da temporada, como a casa lendária.
A última pose (que representa apenas um começo)
Em seu último ano, Pose não deixou em momento algum de mostrar a dor, anseios, sofrimentos e lutas travadas pela comunidade LGBTQIA+ negra entre os anos 80 e 90. A série representou a dura realidade e marginalização das mulheres trans, expôs humilhações e atitudes que, se tratando de situações com homens gays eram absurdas, mas se tratando de mulheres eram (e ainda são) completamente desumanas.
Em seu último ano, os personagens ainda lidaram com perdas e o medo eminente da morte causada pelo vírus HIV/AIDS, mostrando a solidão nestes momentos de adeus em que, muitas vezes, gays e trans só tinham os enfermeiros e membros da própria comunidade como conforto em seus últimos dias vida.
Contudo, vale ressaltar que o maior trunfo da terceira e última temporada do show, é entregar algo que poucas obras voltadas a este público se permitem fazer: um ideal de possibilidade de finais felizes. A série construiu seu final, mostrando que por mais que haja dor, perda e muito sofrimento no trajeto de ser quem se é, há sim alergia, realizações e sonhos. Deixando claro que não se deve apenas acreditar na impossibilidade de felicidade quando se é LGBT, mas ter consciência do merecimento dela, não importa quantos digam o contrário.
Pose, em apenas 3 temporadas, consolidou-se como um marco televisivo, por trazer representatividade em seu ponto mais alto, algo visto recentemente também na série Veneno (leia aqui nossa crítica), entregando um show com massivo elenco preto e LGBTQIA+. Aliás, não só o elenco, mas na produção toda da série. Embora as portas para que esse tipo de produção seja possível ainda precisem ser abertas por homens brancos, como no caso de Ryan Murphy (e que bom que ele usou seus privilégios para tal), não há como negar que a série, tanto em roteiro quanto na vida real, trouxe a mensagem de possibilidades, de dignidades e do lugar de pertencimento das minorias. Deixando como lição final que estamos a luta pelo existir é só o começo e que mesmo sofrendo muito, há sim felicidade e realização de sonhos para os LGBTQIA+, é preciso crer nela e agarrá-la, pois é ela é um direito.
O último episódio da série foi ao ar nos EUA no dia 06 de junho, a última temporada ainda não tem data de estreia definida na Netflix.