Uma discussão muito comum entre girlbands é sobre o balanço de destaque entre os membros do grupo. É difícil determinar uma divisão perfeita em vários aspectos; vocais, tempo de tela em videoclipes, quem vai ficar no meio em uma sessão de fotos para capa de revista(…). No passado, isso podia passar despercebido, ou talvez ninguém se importasse o bastante. Mas nos dias atuais isso é cada vez mais falado, já que em contrapartida, grupos de k-pop conseguem fazer milagres com divisões super balanceadas entre seis, sete ou mais integrantes. E as Spice Girls e Little Mix são outro grande exemplo de como o foco consegue ser bem acentuado em vários elementos diferentes.
No caso das Girls Aloud, como as pessoas assimilavam sua forma de tentar dar atenção a cinco mulheres tão diferentes não era uma reclamação tão recorrente. Mas se uma discussão mais profunda fosse o foco, era interessante pensar como uma integrante em particular se via estando naquele lugar… Como a mídia a definia ou como os fãs tentavam entender seu pertencimento em um grupo. Se destacar por não se destacar era justamente o que ela fazia – e não havia membro mais peculiar do que Nicola Roberts.
A cantora sempre foi alvo de discussões sobre seu jeito. Isso porque desde o começo do grupo (que originou-se a partir de um reality show) estava claro que o que a faria chegar longe era algo que ela ainda não demonstrava tanto; uma personalidade única. É difícil exigir isso de uma adolescente no começo dos anos 2000, naquela época não tínhamos tantos exemplos de musicalidade aflorada como temos nos dias de hoje, e programas de TV que criam grupos musicais são a definição perfeita de produções de ‘artistas fabricados’… o que não é algo a se criticar, é simplesmente a realidade.
O que não significa que as pessoas vão ficar para sempre sendo moldadas por produtores, aliás, isso pode despertar exatamente o que alguém precisa; que é entender a si mesmo como um artista e a partir daí definir seu estilo e intuito na vida artística. Nicola Roberts utilizou o Girls Aloud como um casulo por dez anos, sempre provendo muito bem na discografia do grupo, mesmo sendo tímida e um pouco deslocada. A forma como ela utilizou sua participação foi com uma transformação, daquela garota de 17 anos, que mal tinha formação musical alguma, em uma mulher de 26 anos (época de lançamento de seu disco) que já sabia exatamente o que queria passar com um trabalho solo. Fazendo isso com maestria.
Em 2011. Quando o primeiro single do álbum, ‘Beat of My Drum‘ foi lançado, já dava para perceber que o caminho que a cantora seguiria seria um pouco fora da curva da música pop tradicional. Na época em que Diplo começava a ter um aproveitamento maior no mainstream, colocar um pouco do seu estilo na canção (que foi trabalhada em conjunto com Dimitri Tikovoi – produtor majoritário do álbum) já demonstrava um bom sinal. Apesar da qualidade, a música não teve um bom desempenho nas paradas, mas serviu para deixar no ar uma ansiedade sobre como seria a sonoridade do álbum.
Em “Cinderella’s Eyes” o objetivo era trazer um trabalho que definisse quem Nicola Roberts é como artista e absorver e refletir suas influências musicais. O ponto de base é o famoso conto de Cinderela, e esta estética é aplicada tanto na capa do álbum quanto nas letras. Todas as canções originais (com exceção do cover “Everybody’s Got To Learn Sometime”) são escritas por Nicola e cada uma também se conecta ao seu crescimento na indústria da música.
“Eu gostaria de olhar para trás neste álbum e saber que eu coloquei 100% de mim da forma mais honesta. Eu escrevi músicas e histórias que eu queria escrever há muito tempo. Eu realmente espero que [as pessoas] possam se identificar com minha música porque é realmente sobre isso.“
Em cada música é fácil perceber que a sutileza de Nicola é um dos seus maiores triunfos, em nenhuma canção ela parece perder o controle, mas em nenhum momento ela também tenta provar que pode ser mais do que é. Durante toda sua duração ela domina o ouvinte sem fazer esforço algum, tudo soa fácil para ela… como se criar uma obra de arte fosse um ato tão usual quanto simplesmente cantar. Os destaques vem das formas mais distintas, se no primeiro single ela fez algo dançante e inesperado, em ‘Porcelain Heart’ sua voz e a fragilidade na letra são o que despertam sensações. Esses dois extremos são definições perfeitas do mood que é facilmente invocado do começo ao fim do álbum… ele foi feito para dançar, mas também para absorver o quanto a composição e melodias tristes funcionam com uma batida eletrônica potente, algo bem parecido com o que outras artistas fizeram em anos próximos.
Perceber que já se foram dez anos desde o lançamento deste disco é se surpreender por alguns motivos. O primeiro deles (o mais óbvio) é tentar entender a razão pelo qual um segundo trabalho nunca foi lançado, e o outro é perceber o quanto estamos diante de uma obra atemporal. “Cinderella’s Eyes” nasceu em 2011, mas poderia facilmente ter acontecido em 2001, ou agora mesmo em 2021… já que seu som transcende qualquer moda na música, seja ela cíclica ou não. É fácil também ficar um pouco sentido com o fato de tal projeto não ter um alcance tão grande, pois aqui estão reunidos sons que refletem a quanto nos deparamos com algo estupendo, onde a primeira ação é mostrar para alguém próximo e dizer: “Olha só essa cantora aqui que eu descobri” com a maior animação possível.
Isso é a prova do quanto ouvimos algo que pode ser definido como contagiante, justamente por fazer com que qualquer um que o aprecie sinta uma vontade imensa de compartilhar o que sentiu ouvindo com outra pessoa. Seja na época de lançamento, ou agora em um descobrimento tardio, as chances de quem ouvir ter uma experiência maravilhosa é a maior prova de que estamos lidando com algo extraordinário… uma verdadeira aula de música pop.