Em menos de 2 anos de seu disco anterior, Marina Diamandis anunciou estar trabalhando em seu quinto álbum, “Ancient Dreams In A Modern Land”, lançado nesta última sexta-feira (11). Após um lançamento não tão favorável do minimalista “Love + Fear” (2019) e os “fantasmas dos trabalhos anteriores” que grudaram no imaginário do público, a expectativa para este trabalho era alta.
Aproveitando esse momento de isolamento, Diamandis se voltou em estúdio e criou sozinha todas as novas letras. E junto com os produtores James Flanning (Dua Lipa, Carly Rae Jepsen e outros) e Jennifer Decilveo (Miley Cyrus, Galantis e outros), deu vida à uma tracklist de 10 faixas super concisas e coesas.
Diamandis canta sobre sonhos antigos da sociedade moderna, como resolver os problemas sociais, políticos, capitalismo, meio ambiente e amor próprio. Compilando influências dos maiores acertos de sua trajetória musical, a artista simplesmente eleva o nível de tudo o que já fez, trazendo novas técnicas e estudos para criar uma experiência totalmente nova e genial.
A faixa-título, ‘Ancient Dreams In A Modern Land’, com sua levada de trilha de filme de espionagem, traz sintetizadores icônicos e triunfais, e uma apelo meio Britney Spears. Suas variações vocais ao decorrer da música com um tom “cantora de ópera”, uma assinatura da cantora, torna a canção ainda mais interessante.
Suas letras, ao contrário de seu trabalho anterior, estão mais assertivas e com um ar de empoderamento de si mesma, que acaba sendo transferido também ao ouvinte.
Isso é provado mais uma vez na curta, objetiva e poderosa ‘Venus Fly Trap’. Entre baixos super suingados, sintetizadores gritantes e guitarras distorcidas, com apenas 02:38 e nenhuma pausa neste tempo, a letra é bem incisiva: “Nada nesse mundo pode me mudar”. Musicalmente, possui uma estrutura que causa uma certa “estranheza” à primeira ouvida, por não ter exatamente um refrão tão formado. Comercialmente falando, é a mais apelativa do álbum. É o tipo de música nos padrões da era de streaming, que faz você querer ouvir mais e mais.
Já a conhecida ‘Man’s World’ aquieta um pouco o ritmo no começo com um piano marcante. A melodia cresce ao decorrer: ganha bateria, uma guitarra ácida e mais força. Uma de suas marcas ao decorrer da carreira são suas metáforas, colocadas de modo inteligente aqui, trazendo elementos para falar de sua feminilidade e afirmar: “Eu não quero viver no mundo dos homens mais”.
O que faz Marina ser uma grande artista é sua capacidade de criar eras marcantes e com sonoridades bem diferentes. Aqui, o que prevalece são as guitarras incisivas e um espírito rock à la Queen do pop alternativo.
Estilo esse, que junto com o pop-rock trazido de volta após um 2020 oitentista e synth pop, tem a sua volta decretada ao cenário pop com embaixadoras como Miley Cyrus com seu “Plastic Heart” e Olivia Rodrigo com “SOUR”. Fazendo com que a roupagem que Marina deu para sua sonoridade soe como um incrível frescor e super 2021.
E isso é colocado ainda mais em ‘Purge The Poison’, que traz toda rebeldia desse espírito para uma melodia forte e que serve como uma espécie de “enciclopédia de mazelas e acontecimentos importantes no mundo”. Na letra, Marina cita eventos como a pandemia, destruição do planeta, a prisão de um abusador de Hollywood, o ato de Britney raspar a cabeça em 2007 e questiona o papel da mulher na sociedade. Alternando entre si mesma e a mãe natureza, que faz o pedido de limpar esse veneno que a raça humana produz no planeta.
Se em obras como “Electra Heart” (2012) e “Froot” (2015) já víamos várias faixas políticas ou que questionam a sociedade, podemos dizer que essa temática corresponde à metade do foco de “Ancient Dreams In A Modern Land”.
Que ainda é extraída em ‘New America’, um grande ponto da obra. Lembrando muito sua sonoridade em “Froot”. Questionando o papel da polícia frente às injustiças raciais que acontecem nos Estados Unidos, o uso de agrotóxicos e outras mazelas da sociedade, poderia ser uma letra pedante e um compilado do BuzzFeed. Mas lembre-se: estamos falando de Marina, uma compositora totalmente inteligente e que tem um domínio muito grande de composição.
Podemos ver isso na segunda metade do disco, que traz um lado mais interno e pessoal de Diamandis. Focando em emoções e vida amorosa em uma perspectiva nada clichê e maçante.
‘Highly Emotional People’ é, sem dúvidas, o maior ato da obra. Marina domina a arte de criar baladas de piano e sempre faz músicas super poderosas. Quando pensamos que o arranjo do piano e seu vocal angelical já bastam, um sintetizador intenso aparece de um jeito triunfal e muito emocionante na ponte. Se a intenção era despertar emoções, a canção conseguiu.
Em ‘Pandora’s Box’ e ‘Flowers’ temos outras baladas intimistas que, apesar de mais simples, trazem melodias muito bem elaboradas.
Apesar de possuir apenas 10 faixas, é um álbum extremamente variado e versátil, com momentos ora agitados, ora calmos, que são bem fluidos.
Vemos isso funcionando muito bem com ‘I Love You But I Love Me More’, outro grande destaque. Que mesmo camuflado no meio de canções mais lentas, traz um piano que rapidamente dá espaço para uma guitarra pesada.
E ‘Goodbye’, que encerra de um jeito cinematográfico o disco, com altas influências de Kate Bush nos vocais. Trazendo o refrão com um elemento surpresa, esta música representa bem o álbum: cheio de viradas. Falando sobre dizer adeus ao passado, é a formalização do amadurecimento de Marina.
Apesar de ter tido momentos icônicos em sua carreira, principalmente em seus 3 primeiros discos, Marina agora é uma mulher de 35 anos de idade muito mais consciente do que quer para sua vida.
E esse amadurecimento e evolução são refletidos em seu trabalho. Apesar de sua rebeldia e sangue nos olhos de 10 anos atrás, no “The Family Jewels” (2010) soarem surtos de genialidade, o jogo agora é outro. A diferença é que, ao contrário de seu disco anterior, “Love + Fear”, Marina sai de uma passividade e de um discurso motivacional (que chega a ser pedante em alguns momentos), para trazer novamente sua aura inconformada com o mundo.
“Ancient Dreams In A Modern Land” é minucioso em cada detalhe, o que com certeza tem relação com o fato de ter sido 100% composto apenas por ela, e com co-produção e escolha de direcionamentos partindo dela. Ao mesmo tempo que é tudo o que esperaríamos de Marina, é o disco com o ar mais alternativo de seu acervo.
Isso só nos leva a crer que a liberdade artística é um divisor de águas na vida de um artista. Que no caso de Marina, atingiu o ponto de intersecção perfeito entre o que o público quer, o que o mercado precisa e o que ela quer oferecer. E que fez isso com grande maestria.