Crítica | St. Vincent, “Daddy’s Home”

O sexto trabalho de estúdio da St. Vincent, lançado na última sexta (14), lapida com excelência a reputação da artista.

Talvez o que tenha colocado St. Vincent nos holofotes, para muitos dos seus seguidores atuais, tenha sido o “MASSEDUCATION“, seu 5º disco de estúdio lançado em 2017. O trabalho foi aclamado, ganhou um Grammy na categoria de Melhor Canção de Rock com a faixa título e foi recebido por muita gente de braços abertos que reconhecem a obra até os dias de hoje como marcante e singular. O que de fato é. Desde então, é definitivo afirmar que a artista é a voz mais autêntica que a indústria musical pode agradecer por ter hoje.

A sintetização unicamente plural da narrativa e os efeitos abafados do álbum antecessor ficam para trás em “Daddy’s Home“, onde evoca-se com todas os artifícios presentes um dos trabalhos mais viscerais da Annie Clark. A edição aqui ainda é densa e estridente, mas que assume vertigens psicodélicas de uma forma digna de colocar a artista num patamar de camaleoa.

Com a história de fundo do retorno da prisão de seu pai para casa (que aparece explicitamente apenas em faíscas líricas), as 14 faixas levam o ouvinte por 43 minutos para uma atmosfera que nunca deixa de se promover com grooves profundos e detalhes sonoros que são trazidos logo na abertura, com “Pay Your Way in Pain” – lançado em março, esse foi o primeiro single da nova fase. Quem tinha resquícios do álbum anterior se deparou com um labirinto contorcido por melodias que se apartam por uma explosão contínua e inovadora num compasso sexy.

E a medida que se ouve a dedicatória badalada da faixa que abre o trabalho, o som se desfaz com uma calma fração de glamour em “Down And Out Downtown“, que em seu último ato despeja o melhor. O mesmo se repete para “Daddy’s Home“, que em sua programação conclusiva marca o ouvinte com uma melodia afiada, assim como o caminhar da letra sobre uma visita ao seu pai na cadeira, e é claro, as entonações vocais da St. Vincent, que ecoam a quebra do jazz pelos gritos.

Live In The Dream” possui 6 minutos e aqui as águas turbulentas das obras anteriores não existem e se assume um universo sonoro quase que alternativo, mas ainda com a presença das abençoadas guitarras; o solo final desperta qualquer consciente.

O segundo single é aqui a faixa de número 5, “The Melting Of The Sun” é um ápice glorioso dentro do álbum. O título serve como auto explicativo quando se analisa que durante os 4 minutos a canção praticamente se mostra sonoramente quente. Ela é quem fecha essa primeira parte do registro com classe e torna-se no seu final junto da vinheta “Humming – Interlude 1“, um respiro excelente para o que vem a seguir.

A nova e breve parte do álbum começa com “The Laughing Man“, a canção que é uma homenagem para um amigo de Annie, soa como um pôr do sol mantendo-se em um único tom e se mostrando compreensiva e gostosa de escutar. Essa sensação em termos musicais é rompida com a chegada da excelente “Down (3º e último single), uma das melhores. Somos levados em um ode para uma faixa penetrante e com uma produção implacável. É dançante nos conformes da artista e se prova um verdadeiro trunfo disco-funk.

Little birds, little birds
Chirp, chirp, chirp
Singing like the day is perfect
But to me they sound psychotic

Parte do verso inicial de “The Laughing Man“.

A segunda metade se inicia com “Humming – Interlude 2“, que rapidamente parece trazer consigo uma imagem em preto e branco de um seriado antigo, em seguida, vem “Somebody Like Me“, que com uma sinfonia quieta, se tinge muito bem sem alardes através de uma melancolia que exibe na letra a vulnerabilidade de estar apaixonado.

Próximo dos minutos finais, “My Baby Wants a Baby” flutua em toda a sua duração e não agrega e nem desagrega em nada no álbum. Lá pelos mais de 2 minutos da faixa é onde temos o seu único momento apreciável, e isso, felizmente, não se repete com “…At the Holiday Party“, que em seus 4 minutos entrega o melhor momento disparado de todo o projeto. É uma música alá “MASSEDUCATION” em círculos pequenos que nos leva para o fim com uma pureza espetacular sob um som que se transmuta.

Reminiscing got us laughing
And that’s when I saw your face cracking

Parte do verso inicial de “…At the Holiday Party“.

Com uma canção de menos de dois minutos, St. Vincent encerra o álbum que tem co-produção de Jack Antonoff com “Candy Darling“, um tributo suave e com inúmeras nuances para a mulher trans que figura no nome da canção (ela que já apareceu em diversas letras do The Velvet Underground). “And Candy, my sweet? / I hope you will be coming home to me” são as palavras que fecham o disco que atenua com as mais simples provas (porque esse registro é só o começo do pavio) que a artista sabe que tem o poder da imprevisibilidade ao seu lado.

E mesmo que o convite inicial seja para presenciar uma narrativa sobre a volta do papai para casa, é justamente ao unir diferentes enredos sob fortes camadas musicais e com uma produção louvável, que a artista nos mostra o quão ela está com os pés no chão e o quanto está disposta a deixar uma reputação sagrada com o passar dos tempos. “Humming – Interlude 3 toca e cimenta por fim a fusão de resultados insanos que é o “Daddy’s Home“.

Escute o “Daddy’s Home” na sua plataforma favorita.

Nota do autor: 85/100

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