SummerTimes Festival: música e chuva marcam primeira edição em Belo Horizonte

O SummerTimes Festival cumpriu sua promessa: em sua primeira edição, levou a Belo Horizonte toda a identidade do verão
Foto: Phillipe Guimarães

O SummerTimes Festival cumpriu sua promessa: em sua primeira edição, levou a Belo Horizonte toda a identidade do verão — sem deixar de lado as chuvas da estação.

Apadrinhado pelo Planeta Brasil, evento já tradicional em Belo Horizonte, o SummerTimes se propôs a conquistar seu lugar no calendário dos mineiros. Para isso, a produção cunhou um lineup extenso com 14 horas de música, e investiu em atrações paralelas e na infraestrutura do espaço.

Quatro palcos no SummerTimes Festival

Com início às 10h do domingo, os shows foram divididos em 4 palcos principais: Locals Only Street Truck (exclusivo de música eletrônica), Locals Only Stage, Urban Stage — montados na esplanada que circunda o Estádio Mineirão — e Twins Summer Stage — sendo estes últimos, os palanques principais.

Os pacos Twins Summer Stage foram montados sobre o gramado do Mineirão — o que permitiu que o público tivesse como opção se sentar e assistir aos shows principais da arquibancada do estádio. Apesar de ser uma boa alternativa para evitar a superlotação no gramado, é preciso dizer que a acústica no interior do Mineirão não é das mais favoráveis. Some isso ao ruído constante da chuva e do público e o resultado será um som confuso, que compromete a experiência dos que optaram por ficar nas arquibancadas, longe das caixas potentes dos palcos.

Atenção aqui: tratavam-se de palcos, no plural. Assim como vem sendo  feito em outros festivais, o palco principal foi duplicado para o formato de dois palcos geminados — estratégia que permite uma rápida troca de atrações sem grande deslocamento do público.

Locals Only

Com mais de 30 artistas, o lineup do SummerTimes Festival pretendeu seguir o conceito de diversidade, mantendo a energia e entusiasmo que se espera de um evento de verão. De fato, os shows atenderam bem aos fãs de gêneros musicais variados, indo do rap ao surf rock, passando pelo pop, nova mpb e pelas controladoras da música eletrônica. Porém, a curadoria de artistas ainda tem margem para explorar a diversidade proposta e se atentar ao seu papel como ferramenta cultural,  incluindo mais nomes alinhados à pauta lgbtqia+. A programação também pecou ao alocar as apresentações femininas em horários “menos nobres” do cronograma.

A proposta de palcos exclusivos para artistas locais foi acertada; afinal, Belo Horizonte já se firmou como polo da produção musical do país, em meio ao eixo sudestino Rio-São Paulo. Assim, o Locals Only Street Truck e Locals Only Stage reuniram vários habitués da música belorizontina, como os prestigiados Lamparina, Marcelo Tofani, Chama o Síndico, Vkkramer, Paulinha Marques e Ana Temponi. 

Urban Stage

O Urban Stage sediou apresentações de trap/rap e rock, e recebeu algumas das apresentações mais aclamadas do dia. A programação do palco foi inaugurada por MC Hariel e MC Cabelinho, seguidos por Marina Sena — que, ainda na linha de trabalho de seu álbum “De Primeira”, é uma perfeita personificação da brasilidade e do verão brasileiro.

Na sequência, concentração imperturbável da platéia para receber os Racionais MC’s. O show foi aberto por um set de 10 minutos comandado por KL Jay, que aqueceu o público e preparou o terreno para a entrada de Mano Brown. Edi Rock e Ice Blue. Uma performance potente, enérgica e  politizada, com diversos clássicos da carreira do grupo, como “Jesus Chorou”, “Capítulo 4, Versículo 3”, “Nego Drama”, “Mil Faces de Um Homem Leal” e “Vida Loka”, partes 1 e 2.

O controle do Urban Stage foi assumido em seguida pelo powergrupo de rap DV Tribo, formado há 7 anos em Belo Horizonte e que contou com a participação de Djonga, Sarah Guedes, Iza Sabino, Hot Apocalypse, Clara Lima, Oreia e Fabrício FBC. Ainda se juntaram ao palco Sidoka e X Sem Peita, que fariam o próprio show na sequência. Sem tréguas da chuva, o grupo não se intimidou com o mau tempo, e foi acompanhado por uma platéia incansável, ainda que enxuta. 

Foto: Bruno Soares (BS Fotografias)

A noite do Urban foi encerrada com a sinergia perfeita das bandas nacionais Raimundos e Charlie Brown Jr., em um show conjunto que arrebatou os millenials com vários hits do rock nacional. Reformulado após a morte do vocalista Chorão e do baixista Champignon, o Charlie Brown, que completou 30 anos em 2022, conta hoje com os membros fundadores Marcão Britto e Thiago Castanho, Heitor Gomes, André ‘Pinguim’ Ruas e Bruno Graveto.

Os vocais foram assumidos por Egypcio, da Cali Rock e ex-Tihuana, que ressaltou durante o show seu papel de “somar” à banda, e não “substituir” ninguém. No set list, hits como “Me Encontra”, “Pontes Indestrutíveis” e “Proibida Pra Mim”. Igualmente vibrantes, o Raimundos eletrizou a platéia com o punk de “Eu Quero é Ver o Oco”, “Mulher de Fases” e a balada “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”. “Eu quero é rock” — já dizia o bordão!

Twins Summer Stage

No palco principal do SummerTimes Festival, o evento começou com uma fusão entre tradição e novidade, em uma apresentação que trouxe Negra Li, na cena do rap feminino nacional a 25 anos, acompanhada de nomes incipientes como Mac Júlia e Laurinha Sette, além da participação de Drik Barbosa. Apesar do pouco público, as cantoras fizeram jus aos que já haviam chegado ao festival nesse horário. Menção honrosa para Mac Júlia, que levantou a galera com seu hit “Sofá, Breja e Netflix” e para o momento final do show em que as quatro cantaram juntas “Rap é compromisso”, do emblemático Sabotage.

Maneva podia até não ser a atração mais esperada do dia, mas conseguiu entregar um show delicioso e a cara daquele meio de tarde de domingo. Deixando de lado sua discografia própria, que talvez não surtisse o mesmo efeito na galera, e embarcando em versões inusitadas de clássicos da música brasileira como “Anunciação” e “Metamorfose ambulante”, o vocalista conseguiu, com uma boa dose de alto astral, fazer todo mundo cantar junto esses hinos que tão na ponta da língua de qualquer brasileiro. 

Foto: Leca Novo (BS Fotografias)

Flertando com o Carnaval que se aproxima e referenciando seus projetos como “Bloco do Silva”, Silva entregou um show cheio de canções que marcam essa festa. Ainda assim, o artista peca pela falta de interação em suas apresentações. Apesar de sua voz deliciosa e setlist impecável, falta a ele o desejo de se comunicar mais arduamente com seu público e expandir esse conceito de show que se resume a subir no palco e cantar. Exemplo disso, durante o show do cantor no festival aconteceu um dos maiores episódios de chuva do dia, uma tempestade tomou conta do Twins Summer Stage que em um primeiro momento tinha apenas algumas beiradas a margem como áreas cobertas.

Diante de um cenário onde, em um primeiro momento uma pancada de chuva repentina fez boa parte do público se dissipar, mantendo apenas alguns espectadores fiéis, e um segundo momento no qual, apesar dessa chuva forte, o público permaneceu dançando e pulando encharcados ao som das canções de carnaval, o cantor não se prestou a fazer sequer um breve comentário entre as músicas que demonstrasse a unicidade do show e a sua presença no local, ou mesmo a gratidão por aqueles que mesmo debaixo de chuva permaneceram fiéis a performance.

Um show definivamente não é só uma pessoa no palco cantando, é essa essência que contesta o terrível de argumento que um show seria a mesma coisa de dar play em um artista no streaming. Mas, para que isso se prove o contrário, há de haver entrega e disposição para se mostrar presente e pulsante com aquilo que o público joga para o artista. 

Felizmente Nando Reis chegou ao Twins Summer Stage para reverter a situação. Com um show totalmente interativo e espontâneo, onde podia se ver o gosto do cantor de estar nos palcos, com suas danças alegres e seus desabafos políticos implicados, mesmo que no auge dos seus 60 anos.

O que estava bom ficou ainda melhor com a chegada da dupla Anavitoria, que para além de cantar seus clássicos como “Porque eu te amo” exploraram com maestria a parceria com Nando Reis desenvolvida ao longo da elaboração do disco “N”, cujo repertório são apenas covers das músicas do cantor, e da regravação da música “N” feita por Nando com as cantoras. O trio exalou química e harmonia no palco, emocionando a todos com as canções e finalizando muito bem ao fazer o público todo cantar “O amor é o calor, que aquece a alma”, trecho emblemático da canção “Do seu lado” da banda mineira Jota Quest.

Foto: Orandu (BS Fotografias)

Que o Baco Exu do Blues tem feito um trabalho fenomenal isso todo mundo sabe, mas ver a força do álbum “QQVJFA?” tomar os palcos foi com certeza um dos momentos fortes do festival. Para além do mérito do artista, é essencial destacar a participação de suas backing vocals Aisha, Alma Thomas e Mirella Costa que emprestaram suas vozes potentes para canções como “Mulheres grandes”, “20 ligações” e o hit “Te amo desgraça”, entregando vocais que ecoaram por todo o estádio.

A apresentação mais aguardada do domingo ficou a cargo do havaiano Jack Johnson. Em passagem pelo Brasil para divulgação de seu novo álbum “Meet the Moonlight” (2022), o cantor embalou a platéia com suas baladas solares e litorâneas, que deram à noite o verdadeiro tom do verão.

Johnson e sua banda esbanjaram descontração e carisma. Interagindo com o público a todo tempo, o cantor chegou até mesmo a trocar seu par de chinelos por um autêntico par de havianas que veio da platéia. A instrumentação da banda também merece elogios — com ênfase na performance do multiinstrumentista Zach Gill, que mostrou bastante habilidade no piano, acordeão, vocais e até mesmo na escaleta. Ao fim, Johnson recebeu o cantor Silva, que havia se apresentado horas antes no mesmo palco, para uma performance de “Mas que nada”, de Jorge Ben Jor.

Irreverência é o que define o show do trio Teto, Matue e Wiu. Tendo sido taxado por muitos como o melhor show do festival, os trappers, que eram a última atração da noite, se divertiram e divertiram quem assistia ao cantar seus hits bombados nas redes sociais. Abusando da estrutura do festival e investindo pesado em fogos de artifício e efeitos no palco, os cantores souberam deixar sua marca no público e no SummerTimes Festival.

No encerramento, o DJ brasileiro Vintage Culture, queridinho do Planeta Brasil, executou um set com 3 horas de duração, com direito à muitos efeitos de luz e pirotecnia. Apesar do esvaziamento do evento após os shows de Jack Johnson e Matuê (estratégica, para dissipar a lotação nas ruas ao redor do Mineirão), a apresentação do DJ se manteve relativamente cheia até o final do SummerTimes Festival, às 3:00 de segunda-feira.

Para além da música: outras atrações

Mas nem só de shows faz-se um festival — ao menos não mais em 2023. Ativações de marcas e outras opções de entretenimento para além de shows parecem quase um requisito, e nesse, o SummerTimes Festival pareceu tirar a nota total. Quem passeava pela Esplanada do Mineirão entre um show e outro ou para acessar a praça de alimentação, encontrava uma série de atividades de lazer, lojas e outras dinâmicas.

Alguns exemplos disso foram o “SummerGames”, tenda exclusiva com opções de fliperama, totó e outros. Ao lado, uma lojinha vendia produtos e atividades esotéricas como leitura de tarô e búzios. Um pouco adiante, a famosa “Carreta Furacão” vibrava com a música do Urban Stage e seus personagens agitavam o público. Uma pista de skate também estava disponível, com alguns esportistas fazendo manobras no local.

A estrutura do SummerTimes Festival

Ao longo da esplanada, foram instalados diversos pontos com banheiros e bares, a fim de evitar filas. Com o mesmo intuito, os — poucos — centros de alimentação contaram com caixas volantes, que agilizaram o atendimento. Estes esforços, porém, foram minados pela chuva insistente, que levava o público a se aglomerar nas poucas áreas cobertas.

Também foram comprometidas as áreas de descanso com redes e almofadas — e que ficaram ensopadas ao longo do dia. Os restaurantes ofereciam também opções veganas, mas o acúmulo de pessoas (com fome e se escondendo da chuva) desanimou muita gente.

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