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Crítica | The Chicks, “Gaslighter”

Em retorno destemido, The Chicks trazem um dos álbuns mais fortes do ano com ‘Gaslighter’.

Existe uma ‘checklist’ na música country que é fácil de marcar quando se ouve um álbum do gênero; Pickups, Jesus, whisky… É possível fazer um bingo quando colocamos um disco de um artista masculino para tocar. Para artistas femininas isso não funciona com tanta evidência, mas se tem algo que sempre está presente são canções sobre relacionamentos conturbados e homens que não se comportam direito. De Taylor Swift a Carrie Underwood passando por The Band Perry e Maren Morris chegando até elas, The Chicks. O tema é tão abrangente que pode inspirar quase um álbum inteiro, e dependendo da qualidade dos artistas é possível segurar muito bem as composições partindo apenas de um fim de casamento. Foi o que Natalie Maines (⅓ da banda) fez, aqui falando sobre o divórcio com o ator Adrian Pastor.

Yes, Dixie Chicks, this is the energy we need in 2020.

The Chicks seriam apenas um trio comum, caso não fossem tão destemidas na sua música e imagem pública. Mesmo que toda a polêmica envolvendo o grupo não tenha refletido tão forte no mundo, é muito difícil não saber do quão conturbado foram os anos após o comentário anti-governo feito em 2003. Época em que ser um artista politizado não tinha em nada o mesmo efeito que tem hoje em dia. O que dá tanto destaque à elas é justamente irem contra a corrente de um gênero tão conservador, mas fazendo isso de forma tão competente que é impossível até os norte-americanos mais fervorosos ignorarem sua qualidade.

Após 14 anos do último álbum, o seu aguardado retorno não sofre com seu adiamento, que era marcado para sair no mês de abril. Isso apenas as fortalece, já que a razão para isso somada ao que deu a ideia da mudança de nome do grupo (Ex-Dixie Chicks) não são surpresa para quem as acompanha, já que sempre prestaram muita atenção em pautas sociais.

Gaslighter é um exemplo de como fazer um retorno sem soar defasado, mixando a competência do passado com uma sonoridade contemporânea.

A maior dificuldade em ouvir o trabalho é fazer isso sem repetir sua faixa-título de abertura. ‘Gaslighter’ é uma das músicas mais viciantes de 2020, e serve como melhor porta de entrada para os que ainda não as conheciam. Além de servir também para que os antigos fans tenham uma noção completa da atualização que o grupo deu no próprio som. A produção fica sob controle de Jack Antonoff, produtor premiado e queridinho do momento de muitas artistas. O que faz a música alcançar um status elevado é justamente a fusão perfeita entre seu trabalho e o do trio (que também produz todas as canções).

Em ‘Sleep at Night’ a letra trata com uma bruta honestidade sobre os questionamentos após o fim do relacionamento. Por mais que lidar com algo tão forte na vida pessoal tende a trazer uma pitada de humor como auto-defesa, aqui a afirmação é simples e direta ”não há nada de engraçado nisso”. A faixa segura a força da anterior de uma forma mais discreta, porém ainda bem servida pelo tema do álbum.

Em muitos momentos do projeto é possível perceber a frustração nas composições. Entre cantar sobre já ser uma mulher mais velha em ‘Texas Man’, até na forma como lida com os sentimentos depois de tantos anos em ‘Everybody Loves You’. Até momentos que clama sobre a razão pelo qual um amor não vai do ponto A ao ponto B, também fica claro o quanto Natalie Maines percebeu que ficou perdida e devastada após todo o turbilhão de emoções que a fizeram falar sobre seu relacionamento aqui. ‘For Her’ é onde se ouve um dos maiores questionamentos sobre a relação perdida, trazendo empatia sobre a situação vivida.

Lembrando do que as fizeram serem tão importantes na música, the chicks mesclam cantar sobre relacionamentos e ativismo social.

O momento que mais representa o movimento social atual é sem dúvidas na faixa ‘March March’. Uma das músicas mais fortes do ano é um hino que toca nas maiores feridas dos Estados Unidos; Racismo, controle de armas, tiroteios escolares, clima e brutalidade policial. O ativismo sempre foi um dos maiores diferenciais do trio, e não é surpresa termos uma nova música (e vídeo) dedicados apenas a falar sobre isso. Mas aqui, anos depois, a liberdade de um artista com plataforma de influência tão grande para falar sobre o assunto se torna algo necessário. A música ainda surpreende com um outro instrumental que expressa o quanto a produção faz um acompanhamento perfeito a letra.

‘My Best Friend’s Wedding’ e ‘Tights On My Boat’ funcionam muito bem acompanhadas, já que poderiam resumir as emoções entre o primeiro momento de alegria e o fim do relacionamento que serve de roteiro. A última é uma das mais honestas, em dizer exatamente o que levou anos de casamento para o lixo. Uma traição. Falar abertamente sobre como descobriu uma peça de roupa em seu próprio barco e questionar quem irá pagar os impostos do agora ex-marido são duas das provas cantadas que mostram a transparência em falar sobre si mesma.

Como que curando as dores que acabou de contar, a sequência com ‘Julianna Calm Down’ e ‘Young Man’ é a mais calmante. São essas músicas dedicadas aos filhos das cantoras que tocam no ponto mais sensível de todos. Como criar filhos e filhas e deixar que eles vivam suas vidas? como decidir até que ponto uma mãe deve interferir e quando deve apenas soltá-los para serem donos de si. Assim como elas se tornaram de si mesmas. A questão da maternidade é o que fez a parada na carreira ser tão longa. Elas queriam tirar um tempo para focarem na criação das crianças (alguns agora, adolescentes). Entre balancear duas ‘carreiras’, resolveram apenas cortar uma por um tempo.

Finalizar com ‘Hope It’s Something Good’ e ‘Set Me Free’ dá o clima de fim de filme. Principalmente na última faixa, onde depois de cantar sobre vários momentos, frustrações e raivas de seu antigo relacionamento… é hora de pedir liberdade. A letra é um posicionamento direto ao ex-marido, que não levou o divórcio de uma forma natural e acionou advogados para conseguir arrancar dinheiro da cantora.

The chicks mostra que ainda tem um espaço de muita influência na música, mesmo após 14 anos fora.

É notável o quanto as The Chicks ainda conseguem ter relevância, mesmo retornando 14 anos após o último trabalho. Isso não é primeira vez que acontece, já que mesmo após toda a controvérsia que as colocaram, o grupo ainda voltou de forma triunfante vencendo diversos prêmios Grammy. A resiliência emocional é um dos fatores mais fortes nas três mulheres, que nunca se deixaram abalar o bastante de modo que isso transformasse sua música, inclusive conseguiram fazer o contrário… A cada momento que a indústria (ou a vida pessoal) as sabotava, seu retorno era maior e melhor.

Gaslighter é um dos álbuns mais fortes de 2020, por que ele é completamente dominado pelas artistas, que conseguem colocar tudo que sempre foram de forma coesa com significado e importância devida. Ao mesmo tempo, o disco também serve para ressignificar o som do trio para um novo público. E o que poderia ter se tornado uma briga de criatividade com o produtor Jack Antonoff, acaba se tornando um casamento perfeito. Mesmo que o prazer deste relacionamento tenha existido devido ao fracasso de outro.

Nota do autor:
84/100

Ouça “GASLIGHTER” das the chicks:
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