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Crítica | Experiência teatral de Madame X é inovadora, intimista e consciente

Como lema do álbum e do show, Madonna deixa claro que “artistas estão aqui para perturbar a paz”, e o show é um retrato visual dessa frase.

Em 2017, a notícia de que Madonna havia se mudado para Lisboa correu o mundo e impressionou algumas pessoas. O motivo da mudança foi acompanhar o filho David na carreira de futebol, mas é claro que Madonna não se acomodaria sendo apenas uma mãe que leva o filho para o trabalho. Poucos anos depois, ouvimos pela primeira vez que um novo álbum viria aí: “Madame X”, com uma sonoridade bem diferente do pop que estávamos acostumados.

Fato é que a vida em Portugal forçou Madonna a conhecer outras culturas. Como ela mesma apontou em um especial de divulgação do álbum, ela se sentia sozinha num país novo e desconhecido, e foi atrás de pessoas. Ou melhor: de pessoas que faziam música.

É importante que entendamos isso quando vamos falar de “Madame X”, seja do álbum ou do aguardado registro da turnê teatral que chega hoje às telas do Paramount+. Isso porque o show, entre seus vários atrativos, é um prato cheio de cultura e diversidade. E esse é um ponto impossível de ignorar quando falamos desse espetáculo.

Se o álbum tem uma pegada mais conceitual, trazendo diversas influências portuguesas e até latinas – como a participação de Anitta na faixa “Faz Gostoso”, o show celebra isso com uma grandiosidade intimista, e nos leva a fundo na imersão que Madonna fez enquanto produzia o álbum – do Fado às batucadeiras de Cabo Verde.

Ambientado dessa vez em teatros – que também chocou muitas pessoas, uma vez que a cantora é famosa por lotar estádios no mundo todo -, a proposta salta os olhos: a explosão de cores, projeções e cenários que alteram o tempo todo acompanhado Madonna em sua troca de figurinos, perucas e personalidades. É muito interessante ver uma artista tão conhecida pela sua grandiosidade em pequenos espaços, e ver como ela se sai com uma produção menor. Como já era de se esperar, ela não decepciona.

Na produção – que recolhia celulares e demais eletrônicos na entrada, lacrava os aparelhos e só devolvia ao fim da apresentação – fica inegável o desejo da cantora em ser vista de perto. Podemos notar em suas várias caminhadas pela plateia e por suas inúmeras interações com uma audiência tão próxima. É como se Madonna nunca tivesse sido tão acessível. Mesmo em números musicais complexos em que a artista se desdobra pelo palco, com dançarinos, toca piano ou atua em meio à projeções, tudo é pensado de forma imersiva: você está ali, na mesma história que ela te conta.

As luzes que colorem a platéia e o brilhantismo do cenário – que embora pareça simples, é extremamente versátil – fazem de tudo para atrair seus olhos para o que importa: Madonna. Mas o que ela nos diz?

Entre muitos sons de tiros (que sinceramente, deixam o show quase cansativo e perturbador em alguns momentos) e de máquinas de escrever (com trechos inspirados em James Baldwin), a mensagem é clara: o mundo está cada vez com mais problemas, e cabe a nós consertar.

Se você leu “Madonna” nesse texto mas ainda não foi convencido de assistir ao show, aqui vão mais algumas razões pra te ajudar a dar o play: nas duas horas de espetáculo, nenhum ato do show é entediante. Nenhum! Madonna consegue ir de uma guerra americana para um clube de Fado em Portugal, passeando por dentro de projeções de Lourdes Maria, sua filha mais velha, em um dos momentos mais impecáveis do show: a performance de “Frozen”, uma das baladas mais memoráveis da carreira.

Como lema do álbum e do show, Madonna deixa claro que “artistas estão aqui para perturbar a paz”, e o show é um retrato visual dessa frase. Até nos momentos mais agradáveis, ela retoma nossa atenção para o fato de que nem tudo está bem. E quando quase parece sombrio demais, ela fecha o show com “I Rise”, balada presente no último álbum e que remonta a protestos e momentos difíceis, mas com um sonho universal que vem quase como um abraço em uma das performances mais emocionantes do show: vamos levantar.

Mesmo em sua décima primeira turnê mundial, Madonna consegue trazer um show inédito, inovador, intimista e consciente, fazendo um resgate de clássicos da carreira como “Like a Prayer”, “American Life” e “Vogue”, e apresentar o universo do último álbum com respeito à riqueza da cultura que a inspirou, nos entregando novos arranjos impecáveis mesmo de músicas já conhecidas, e honrando o mundo de Madame X quando o mesmo vem à vida.

É inspirador, bonito, uma aula de pop e principalmente de como fazer um show bem executado e recheado de influências, de uma artista que se recusa a ser colocada na arquibancada, e que ainda tem muito a dizer.

Assista ao Madame Xperience no Paramount+.

Nota do autor: 96/100

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