The Last Dinner Party irrompe na cena musical com seu álbum de estreia, “Prelude to Ecstasy”: uma obra tão rica em sonoridade e referências culturais que desafia qualquer categorização simplista. O single “Nothing Matters”, que já contava de um amor sinuoso em imagens vívidas e uma produção maximalista, abriu o apetite de todo e qualquer um que escutou. Os sãos o suficiente para perceber que estavam diante de algo muito especial, ficaram curiosos pelo restante do álbum, ansiando matar uma vontade que antes da banda inglesa seria inimaginável poder suprir.
Desde a formação da banda em 2021, composta por Abigail Morris (vocais principais), Lizzie Mayland (vocais, guitarra, flauta), Emily Roberts (guitarra solo, bandolim, flauta, vocais), Georgia Davies (baixo, vocais) e Aurora Nishevci (teclado, órgão, piano, sintetizador, vocais), a expectativa em torno desse trabalho era grande, e o resultado final não decepciona.
O álbum conta com a participação de 25 músicos de orquestra, com Nishevci conduzindo em cinco das doze faixas, reforçando a estética pop-barroca que permeia o projeto. Essa sonoridade fértil e diversificada combinada aos visuais rococó pós-punk do figurino, alinham a banda a uma tradição musical que inclui nomes como Kate Bush, Queen, ABBA, Echo & The Bunnymen, David Bowie, e até mesmo Hozier, Florence + The Machine e St. Vincent. A produção de James Ford, conhecido por transformar o som dos Arctic Monkeys em “Tranquility Base Hotel & Casino”, adiciona uma camada cinematográfica ao álbum, realçando sua qualidade e polidez.
A faixa-título puxa as cortinas pesadas do clássico como uma verdadeira introdução de cinema, transportando o ouvinte para um universo sonoro dramático, aludindo tanto aos anos 1960 quanto ao início do rock britânico dos anos 1980, com um quê teatral à la Moulin Rouge. Uma “mistureba” que não faria sentido algum se lapidado por qualquer outro grupo musical, mas que a banda londrina dominou com excelência.
O primeiro contato com a presença magnética e visceral da vocalista Abigail acontece em ‘Burn Alive’; com sua analogia melancólica a Ícaro e referências às bruxas queimadas na fogueira, essa faixa é uma poderosa metáfora sobre viver na dor e no perigo como forma de sentir-se viva. Um relacionamento destrutivo, que também perpassa a balada devota e pessimista de ‘On Your Side’ e só é posto a fim em ‘Portrait Of A Dead Girl’, cuja letra (inspirada em um quadro muito antigo, ‘Dream-Girl Evil’ de Florence + The Machine e colagens contemporâneas do Pinterest), explicita a violência dos homens “dóceis”, revelando a vulnerabilidade feminina mesmo em relacionamentos aparentemente seguros.
O repertório histórico-cultural é implacável e não para por aí: ‘Caesar on a TV Screen’ explora as normas de gênero, dialogando entre a não-binariedade e o animus shakespeariano com uma grandiloquência rara. A música discute a luta pelo controle da própria narrativa e a sensação de poder advinda da masculinidade, que também são representadas pela faixa ‘Beautiful Boy’, munida de sua flauta solitária e vocais sonhadores, e contestada em ‘The Feminine Urge’, que ironiza o preceito do feminino existir apenas para satisfazer os desejos do homem, brincando com a ideia da “manic pixie dream girl” enquanto explora o ciclo de trauma geracional e as conexões entre mães e filhas.
É em ‘Sinner’ que os relacionamentos femininos ganham cor. A canção ritmada e vibrante aborda a culpa católica e o desejo pulsante de viver um amor proibido. Reverenciando o carnal sagrado de Hozier e uma estética barroca, ‘Sinner’é uma das faixas mais emocionantes e impactantes do álbum. Se a primeira colore, o synth-pop orgânico de ‘My Lady of Mercy’ traz textura, evocando a musicalidade de sonhos eróticos que só pareceriam possíveis se Emily Dickinson e Bella Baxter dividissem um quarto no colégio. Ambas recontam vivências sáficas com versos que transformam narrativas cristãs em manifestações de poder feminino e declarações de amor lésbico, tudo isso com solos de guitarra elétricos e memoráveis, mostrando o domínio da banda sobre temas sensíveis e a capacidade de transformar dor em arte.
Prelude to Ecstasy é um álbum para se apaixonar à primeira vista, uma obra completa que exige ser vivida por inteiro. Com uma vocalista carismática como Abigail Morris, letras ousadas que exploram temas complexos e uma produção de alta qualidade, The Last Dinner Party não só cumpre as expectativas, como as supera de maneira brilhante. Seja através das referências culturais ou da diversidade sonora, a banda entrega um trabalho que, embora influenciado por gigantes do passado, soa fresco e inovador.
Há quem diga que já foi feito antes. Besteira. Houve quem tentou, mas foram elas que acertaram em cheio. Este é, sem dúvida, um dos álbuns mais marcantes do ano, e pavimenta o início de uma carreira que promete ser igualmente fascinante. E para quem insiste nas alegações mesquinhas e misóginas dos que ouvem música armados de forquilhas, só há uma resposta: talento genuíno não se planta, floresce.