Em uma tarde ensolarada de quarta feira em São Paulo, chegamos convidados pela Universal Music no escritório da gravadora, que já recebia alguns fãs e poucos jornalistas que ouviriam o álbum antecipadamente em um evento que repetia o formato em outros lugares do mundo. Um painél com um cenário para fotos e divulgação ajudou na ambientação, quando deram play no projeto e as aproximadamente cinquenta pessoas presentes entraram no mais recente universo de Lana Del Rey.
Com o lançamento prévio de alguns singles como “The Grants”, a faixa título “Did You Know…” e “A&W”, a surpresa se deu inicialmente em “Sweet”, que faz jus ao título e nos presenteia com melodias doces. Essas primeiras quatro faixas se assemelham muito a sonoridade conhecida e marcante de seus dois álbuns anteriores, principalmente o “Blue Banisters”: Poucas batidas de trap, algumas canções longas, harmonias inusitadas e instrumentação mais acústica. Já a na sequência, “Judah Smith Interlude”, “Candy Necklace” (com Jon Batiste) e “Jon Batiste Interlude” apresentam o primeiro ponto de virada do disco. A primeira interlude é, do início ao fim, uma gravação amadora de um culto. Literalmente. Há um instrumental de piano que parece “bordar” o áudio e até consegue captar nossa atenção e nos levar para uma atmosfera mais digerível, mesmo sem tirar a essência. Candy Necklace é uma boa faixa mas que não se destaca tanto no álbum.
A sequência seguinte é um misto de emoções. A ótima “Kintsugi” é seguida por “Fingertips”, a mais prolixa do álbum. É uma faixa de muitas verdades, mas suas melodias parecem não nos levar a lugar nenhum, e em uma música com quase seis minutos, acaba perdendo um pouco do nosso foco após a primeira metade.
Nessa altura de sua carreira (e do álbum), a cantora demonstra que quer fazer mais que nos dar músicas: agora é como se ela se sentasse ao nosso lado, abrisse um livro da própria história, lesse alguns capítulos e deixasse que sua vida se transformasse em arte mais uma vez.
Pela maior parte, esse não é um álbum que permite distrações: se provando talvez o mais intimista e o menos comercial que a artista já lançou, aqui ela nos convida para um show particular, com canções de ninar que traduzem a própria história da cantora, resolve mistérios e nos encanta ainda mais a cada minuto.
“Paris, Texas” (com SYML) recobra o ritmo, e nos prepara para a excelente e emocionante “Grandfather, Please Stand on the Shoulders of My Father While He’s Deep-Sea Fishing”, com participação de Riopy. Sim, esse é o título: uma frase completa que quase nos conta uma história apenas em seu título. Nessa, algumas fãs choraram e, definitivamente, nos arrancou bons suspiros, sendo um ponto alto do disco. “Let The Light In”, com Father John Misty não deixa a emoção cair, e sustenta outra faixa ótima e com produção mais arrojada e menos acústica que as primeiras nove faixas apresentam.
Pela maior parte, já podemos dizer que esse não é um álbum que permite distrações: se provando talvez o mais intimista e o menos comercial que a artista já lançou, aqui ela nos convida para um show particular, com canções de ninar que traduzem a própria história da cantora, resolve mistérios e nos encanta ainda mais a cada minuto.
“Margaret”, com participação dos Bleachers, pareceu uma faixa que dividiu opiniões. No começo, alguns fãs pareceram estranhar, mas até o fim da canção todos pareciam compartilhar uma admiração pela faixa. Parece mesmo algo que o Bleachers produziria, e é um bom acréscimo ao disco. “Fishtails” vem na sequência e é mais uma ótima música, antecedendo “Peppers” (com Tommy Genesis), que quebra a atmosfera até aqui. Com um refrão mais popeado e versos chiclete, a vibe muda a energia do ambiente e nos deixou um pouco confusos. Até o fim da canção, notamos as claras referências à Lizzy Grant e as músicas que a cantora produziu antes de assumir o alter-ego Lana Del Rey. Quem gosta das faixas desse período, pode matar a saudade aqui.
Por fim, “Taco Truck x VB” encerra o disco e deixa todos os fãs de queixo caído. Como o álbum já foi lançado a essa altura, daremos um spoiler: reparou o VB no título? Venice Bitch. Isso mesmo: a excelente faixa do aclamado “Norman Fucking Rockwell” parece subitamente na última parte da canção, com um instrumental diferente que faz parecer que estamos ouvindo um remix bem urbano de “Venice Bitch”. A faixa original que já traz em sua essência uma viagem instrumental, retoma aqui toda sua essência e nos entrega uma outra viagem sensorial surpreendente, e fecha o disco com essa sensação familiar, chocante e surpreendente.
De forma geral, “Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd” é um álbum que segue trabalhos anteriores da artista e parece, como dito anteriormente, um filho dos dois últimos trabalhos. Em grande parte, esse disco e todos os seus elementos intimistas, acústicos e quase descompromissados podem soar inacabados, mas não como um projeto mal feito, e sim como algo que está sendo criado no momento, que toma vida a cada instante que se passa, que se cria no ambiente e no coração do ouvinte.
A forma como Lana escolhe seguir sua arte é como se ela jogasse a música na vida, e não o contrário. Os instrumentos se fazem ao redor do que acontece, do que ela canta ou narra, e os acordes tentam acompanhar os sentimentos e a verdade da cantora. Ela parece não se importar com ritmo, cadência ou métricas sonoras perfeita, é como se dissesse: “aqui vai a o que tenho a dizer, você acelere se quiser me acompanhar”. É cru, vulnerável e autêntico: mais um álbum que apenas Lana conseguiria fazer.