Chegamos ao fim de uma era: Hurry Up Tomorrow é o ato final de The Weeknd. Mas os fãs não precisam se preocupar: ao que tudo indica, Abel Tesfaye, nome por trás de uma das alcunhas de maior sucesso do ramo da música nas últimas duas décadas, promete permanecer no universo fonográfico. A diferença é que agora, Abel deseja seguir carreira com seu nome de batismo. Se a sonoridade de seu novo caminho será diferente, ainda não é possível afirmar. No entanto, vivenciando o luto da “morte” de The Weeknd, Hurry Up Tomorrow se mostra um disco impecável.
Talvez o único pecado do sexto disco do artista canadense comece após a sexta das 22 faixas, quando há uma quebra de energia. A vitalidade fervorosa que “Wake Me Up” (em parceria com Justice), “Cry For Me” e “São Paulo” (dueto com Anitta) introduzem ao disco parece se esgotar logo no primeiro terço do trabalho, quando as batidas atenuam e dão ainda mais protagonismo aos sintetizadores. As faixas perpetuam a natureza dançante que o pop de The Weeknd evoca na maioria de seus trabalhos, alternando, por vezes, com outras mais lentas, introspectivas e soturnas. A latinidade e as influências oitentistas à la Michael Jackson são elementos para lá de presentes em Hurry Up Tomorrow, o que mostra que o vulgo de Abel consegue mesclar diferentes elementos sem que tudo pareça uma grande confusão.
(In)constância
A suposição de que se trata de uma decrescência rítmica para significar o encerramento é justa. Começar com a carga elevada e aliviar aos poucos para indicar que The Weeknd está morrendo é uma sacada inteligente. E se eu te disser que a última faixa do disco é homônima ao álbum, que traduzido significa algo do tipo “venha logo, amanhã”? Abel não aguenta mais viver sob o peso de ser The Weeknd — ele quer, o quanto antes, livrar-se da roupagem que carrega nos últimos anos.
Contudo, essa livração é carinhosa. O multiartista retoma os outros dois discos que formam a trilogia que encerra a fase atual, After Hours (2020) e Dawn FM (2022). É uma espécie de retomada do que foi dito anteriormente, reconstruindo uma confusa progressão das fases do luto. O primeiro disco contemplaria negação, raiva e barganha, enquanto o segundo também se muniria da barganha, mas dessa vez atrelada à depressão. Hurry Up Tomorrow é, portanto, a fase da aceitação.
Paralelos narrativos
Trata-se de um disco tão calculado que Abel Tesfaye construiu uma narrativa de piedade com o passado. “Cry For Me” (chore por mim) é o antônimo de “Save Your Tears” (guarde suas lágrimas). “Too Late” (tarde demais) complementa “Timeless” (sem tempo). “Until I Bleed Out” (até que eu termine de sangrar), por sua vez, opõe-se a “Until We’re Skin & Bones” (até que sejamos pele e osso), e o mesmo acontece com “Heartless” (sem coração) e “Open Hearts” (coração aberto), “Scared To Live” (medo de viver) e “Baptized In Fear” (batizado no medo) e “Escape From LA” (escape de Los Angeles) e “Take Me Back To LA” (leve-me de volta a Los Angeles).
Além de todo o enredo construído ao longo dos três últimos discos, The Weeknd se prepara para lançar um filme estrelado por Jenna Ortega, Barry Keoghan e Abel Tesfaye — sim, ele próprio. O longa-metragem promete circundar a história que começou em 2020, abordando temáticas como fama, paranoia, solidão e decadência.
O que esperar do amanhã
O grand finale de The Weeknd é uma grande revisão do que construiu desde que adotou tal vulgo para assinar seus trabalhos no mercado fonográfico. Indo além, o artista convidou personalidades que assinaram a coautoria de outros trabalhos, como Future, Lana del Rey, Travis Scott e Playboy Carti. Para compreender Hurry Up Tomorrow não basta ouvir o disco, é necessário — fundamental — compreender o contexto ao qual se insere. O ouvinte que contempla apenas o álbum pode se frustrar. No entanto, ao vislumbrar o cenário completo, compreendendo as linhas traçadas desde 2020, Hurry Up Tomorrow é um encerramento primoroso para essa era. O tipo de coisa que só The Weeknd saberia fazer.
Evocando o título do disco, apresse-se, amanhã: queremos ver o que Abel Tesfaye tem para apresentar ao mundo.