Rock In Rio | Vida longa ao emo: dia 09 arrebata o público com nostalgia e performances incendiárias

“Nostalgia” foi o termo que imperou no quinto dia do Rock In Rio 2022 que contou com shows de Avril Lavigne, Fall Out By, Green Day e mais

“Nostalgia” foi o sentimento que imperou no quinto dia do Rock In Rio Brasil 2022. Afinal, era chegado o momento dos que sustentam o bordão “e eu, que fui emo?” reviverem os anos dourados dos movimentos emo e pop punk, subgêneros que encontraram, enfim, seu lugar “vintage” na cultura pop.

Não era preciso esperar até o início dos shows para sacar a proposta da curadoria do festival para o dia 09/09. Assim que os portões se abriram, às 14h em ponto, a estética da horda que invadiu a Cidade Rock era inconfundível: camisas sociais pretas com gravatas vermelhas, correntes pendentes ao lado das calças, luvas sem dedos, blusas de listras grossas, munhequeiras e bandanas, óculos de aro grosso. Reconhece estes itens?

Em entrevista recente, Billy Idol creditou o retorno do estilo pop punk à falta de grana dos jovens de hoje, que são forçados a improvisar com o que têm. Porém, nesse dia, cada peça foi meticulosamente fisgada do caldeirão dos anos 2000 para dar nova vida ao emo, mesmo que sob o impiedoso sol carioca.

Já passou o lápis de olho? Então, vamos à música.

Di Ferreiro + Vitor Kley

A estreia do Palco Sunset, o secundário do Rock In Rio, ficou a cargo da dupla Vitor Kley e Di Ferrero — este último, vocalista da consagrada banda emo NX Zero, que lançou neste ano seu primeiro álbum solo, o “🙁 UMA BAD UMA FARRA :)”.

Dividindo os holofotes durante todo o show, Di e Kley, que têm grande sintonia dentro e fora dos palcos, entoaram sucessos do NX Zero, como “Cedo ou Tarde” e “Além de Mim”, e novos trabalhos pop rock de Kley, como “O Amor Machuca Demais”. Um dos pontos altos foi, sem dúvida, a execução da faixa  “INTENSAMENTE”, composta por Di para ser tocada “em um festival, ao pôr do Sol” — uma visão realizada com sucesso.

Di Ferrero e Vitor Kley no Rock In Rio 2022 por I Hate Flash / Rock In Rio (reprodução)

Para além do setlist, o entusiasmo dos músicos e a admiração de Kley — que tem uma carreira relativamente recente — por Di Ferrero tornaram o show ainda mais envolvente. Ponto para o emo.

Jão

Esse era apenas o começo de um dia emocionante — com o perdão do trocadilho. Na sequência, o cantor paulista Jão levou a plateia ao delírio com sua turnê  “Pirata”, que divulga o disco homônimo. Sobre um palco digno de Rock In Rio, que contou com cinco colunas móveis para elevar sua orquestra ao ar, Jão entoou sucessos como “Idiota”, “Meninos e Meninas” e “Vou Morrer Sozinho”. 

Ficou confuso com a escalação de Jão para o “dia emo”? Calma, eu te explico: é que a produção do Rock In Rio escolheu o dia 09 para homenagear a primeira edição do festival — “nostalgia”, lembra? —  e o cantor paulista teve parte especial nisso. Fã declarado de Cazuza, que fez apresentação histórica no Rock In Rio em 1985, Jão celebrou seu ídolo ao cantar faixas como “Codinome Beija-Flor” e “O tempo não para”. Mas ele teve o cuidado de tornar o tributo ainda mais especial: ao fim de “Pro dia nascer feliz”, levou ao palco a mãe de Cazuza, Lucinha Araújo, que relembrou o filho ilustre.

1985: A homenagem ao primeiro Rock In Rio

O tom saudoso reverberou no show seguinte, a aguardada homenagem a 1985. A ideia era promover encontros entre Alceu Valença, Blitz, Elba Ramalho, Ivan Lins e Pepeu Gomes, que se apresentaram na primeira edição do festival, e Agnes Nunes, Andreas Kisser, Liniker, Luísa Sonza e Xamã, expoentes da música brasileira.

Enquanto filmagens dos shows de 1985 passavam nos telões, os artistas se revezaram na execução de clássicos como “Começar de Novo”, de Ivan Lins, “Anunciação” e “Morena Tropicana”, de Alceu Valença, “Masculino e feminino”, de Pepeu Gomes, “Dois Passos do Paraíso”, do Blitz, e “Love of My Life”, do Queen — banda que também fez apresentação emblemática na edição debutante do festival. O show foi marcado pelo tom político, com insistentes gritos de “fora, Bolsonaro” por parte da plateia.

É preciso assumir que alguns encontros foram mais sincronizados que outros. Enquanto Xamã e Ivan Lins fizeram uma apresentação mais espontânea — e, em certa dose, menos sintonizada —, o som metálico de Kisser potencializou ainda mais a divertida “Você não soube me amar”, performada com o Blitz de Evandro Mesquita.

Capital Inicial: turnê de 40 anos no Rock In Rio

Os nomes nacionais não se limitaram ao Palco Sunset. No dia 09, o Palco Mundo foi inaugurado pelo Capital Inicial, que aproveitou a ocasião para dar o pontapé inicial da turnê comemorativa dos 40 anos da banda. Ciente do clima nostálgico da ocasião, o grupo montou um setlist à caráter, apenas com as faixas mais celebradas da carreira. “Natasha”, “Primeiros Erros”, “Independência” e “Veraneio vascaína” foram entoadas em uníssono pela plateia, em um momento de celebração das boas memórias.

Visivelmente comovido e arrebatado pela energia do público, o vocalista Dinho Ouropreto ainda brindou os presentes com “Que País é Este?”, “Should I Stay or Should I Go” (cover do The Clash) e “O Passageiro”, sua famosa versão do hit de Iggy Pop. Emoção recíproca: ver Dinho recuperado de problemas recentes de saúde, com energias recarregadas e cantando como há 20 anos, foi emocionante para nós também. 

Billy Idol!

O Palco Mundo também recebeu uma das atrações mais renomadas do dia: o cantor britânico Billy Idol. A escalação de Idol para o line- up do dia faz sentido na lógica do punk. Juntamente com o guitarrista Steve Stevens, seu parceiro de longa data, Idol foi um expoente do rock nova-iorquino. Empolgado por estar novamente no Brasil 30 anos após a edição do Rock In Rio 1991, Idol cantarolou diversas vezes o jingle do festival (“ôooo, ôooo, ôooo, Rock in Rio!”), que sabia de cor. Porém, sua memória o traiu ao cantar o hit “Eyes Without A Face”, que teve que ser recomeçada duas vezes, após o vocalista se confundir com a letra — a situação foi entendida como “erro de retorno” por corações compadecidos.

A banda seguiu o setlist previsto, formado por baladas e punks consagrados na cena mais “farofa”, como “Rebel Yell”, “Dancing With Myself”, “Blue Highway”, “Flesh for Fantasy”, “White Wedding”, e pelos (ótimos) novos singles “Cage” e “Bitter Taste”. Como é de bom tom no rock n roll, a banda também abriu espaço para um irretocável solo de Stevens. Infelizmente, tantos clássicos não foram bastantes para aquecer o público a ponto de envolvê-los na jornada pela história do punk, como pareceu ser a proposta da curadoria do evento com este line-up.

Avril Lavigne

Apesar da abertura do Palco Mundo, o Sunset ainda continuaria sendo o centro do Rock In Rio por mais uma hora: todos os olhares estavam voltados para lá quando subiu ao palco ninguém menos que Avril Lavigne, a rainha pop punk aguardada por milhares de súditos nostálgicos e histéricos — não sem razão.

A apreensão da plateia, que estava ciente do show apático que Avril havia feito em São Paulo dias antes, se dissipou logo na primeira música, a frenética “Girlfriend”. A todo tempo, a estrela canadense se conectou com o público, fazendo comentários sobre as faixas e agradecendo a entrega recíproca de quem a acompanhou, a plenos pulmões, em hits como  “Complicated”, “My Happy Ending” e “Sk8er Boi”.

Há quem — como eu — ressentisse o setlist enxuto, que deixou de fora hits como “Nobody’s Home”, “When You’re Gone” e “Here’s to Never Growing Up”. Porém, com a pontualidade do Rock In Rio batendo à porta, o show pode ser considerado uma vitória para os millennials.

Houve ainda outro fator que causou certa mágoa nos fãs que acompanhavam a princesinha do rock — não com relação à sua realeza, mas à produção do festival. A alocação de Avril no Sunset foi bastante questionada; afinal, porque um dos maiores ícones do gênero seria designado ao stage secundário? Esse questionamento se transformou em revolta quando os momentos finais do show da cantora foram abafados pelos baixos graves do Fall Out Boy, que subia no Palco Mundo.

Fall Out Boy

Com o palco ainda razoavelmente vazio por conta da coincidência de horários com o show da Avril, a banda comandada pelos frontmen Patrick Stump e Pete Wentz recebeu a plateia com “The Phoenix”, “Sugar, We’re Goin Down” e “Irresistible”, uma sequência elaborada para eletrizar os fãs e trazer à memória os acordes tão familiares aos emos dos anos 2000.

É desafiadora a posição de penúltima atração da noite. Afinal, como entregar uma performance que mantenha o público envolvido e o prepare para o headliner, ao mesmo tempo em que se atende às exigências e expectativas da própria base? A resposta do Fall Out Boy foi um show com setlist previsível e muitas pirotecnias — com direito até a um piano de cauda flamejante, que trouxe um ar dramático à apresentação.

Dentre os trabalhos escolhidos, um pouco de todas as fases da banda: “Dance, Dance”, “Grand Theft Autumn/Where Is Your Boy”, “The Last of the Real Ones”, “My Songs Know What You Did in the Dark (Light Em Up)” e “Thnks fr th Mmrs” (minha personal favorite). Um número executado sem grandes nuances, mas que serviu ao propósito de aquecer a plateia e levá-la adiante na jornada nostálgica pelo estilo da noite.

Green Day: um dos destaques do Rock In Rio 2022

Nada, porém, poderia nos preparar para o que estava por vir. À 00h15 do dia 10, as potentes caixas do Palco Mundo envolveram o público em uma catarse coletiva ao sintonizarem “Bohemian Rhapsody”, do Queen, e “Blitzkrieg Bop”, dos Ramones, anunciando que a entrada do Green Day era iminente. Subitamente, um enorme coelho engravatado, sujo e surrado invade o palco, dançando freneticamente ao som da interpolação de  “I Love Rock ‘n’ Roll,” de Joan Jett & the Blackhearts,  “We Will Rock You”, também do Queen, e “Also sprach Zarathustra,” de Richard Strauss. É a deixa perfeita para que Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tré Cool invadam o palco e dinamitem o público com a potente “American Idiot”.

O show do Green Day prova uma máxima já bastante evidente no universo da música e das artes em geral: a de que um grande espetáculo vai muito, mas muito além de talento ou dom natural. Uma grande performance demanda elaboração, planejamento, entrega. Mas não se engane: isso não significa abandonar os improvisos, as espontaneidades e a rebeldia do rock n roll; pelo contrário, esse “processo criativo dos palcos” é o que fez a magia acontecer e que permitiu vários dos momentos mais marcantes deste show, que teve o maior público do Rock In Rio 2022 até então.

Não está convencido disso? Pois veja bem: o script do Green Day vai além da execução de seus hits. É claro que, por si só, clássicos estridentes como “Know Your Enemy”, “Welcome to Paradise” e “St. Jimmy” já levariam o público ao absoluto delírio – principalmente quando incitados pelos comandos de “let’’s get grazy” de Billie Joe. Do mesmo modo, as baladas “21 Guns”  e “Wake Me Up When September Ends” arrancariam lágrimas até do mais apáticos. De fato, tudo isso aconteceu. Mas grandes surpresas nos aguardavam além da música.

Por três vezes, o frontman convidou fãs para se juntarem a ele no palco, estabelecendo uma conexão inquebrável com o público e alimentando o imaginário daqueles que fantasiam ficar cara a cara com estes ícones do rock. Na segunda vez, a mais marcante, o casal  Beatriz Gouvea e Jonas Pagassini, que se conheceu em uma comunidade do Orkut sobre o Green Day, se juntou à banda durante “Boulevard of Broken Dreams” para um pedido de casamento deveras kitsch. O que dizer depois disso?

Com uma energia incomparável, Billie Joe Armstrong, grande estrela da noite, incendiou o público a todo momento. Entre saltos e beijos, o vocalista não fez reservas quando o assunto foi se divertir e garantir que todos festejassem com ele. O destaque fica para a performance do combo “King for a Day” e “Shout”, dos The Isley Brothers, que levou o frontman ao chão e aumentou a expectativa e a excitação da plateia.

Ao fim, após a derradeira “Good Riddance (Time of Your Life)”, Billie Joe, Dirnt e Tré Cool se revezaram para lançar do palco baldes de palhetas e baquetas, sob uma chuva de papel. Por um instante, o alvoroço distraiu o público do clima de fim de festa. Um encerramento perfeito para consagrar o dia do emo/pop punk no coração de todos que estiveram lá – e, com sorte, também no da produção do festival.

Rock In Rio, que dia! Nos vemos em 2024.

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