Em 2024, Paramore levou para casa o Grammy de Álbum de Rock do Ano, um feito histórico que celebrava duas décadas de relevância da banda no cenário alternativo. Mas, paradoxalmente, a consagração parece ter acentuado uma velha questão: Hayley Williams e seus companheiros nunca souberam lidar com o peso da fama. E quando decidiram se afastar temporariamente, em 2020, Hayley escolheu uma nova forma de sobreviver à própria intensidade.
Seus dois primeiros álbuns solo, Petals for Armor (2020) e Flowers for Vases / descansos (2021), nasceram em plena pandemia e carregavam uma essência quase terapêutica. Compostos e produzidos majoritariamente por ela, funcionou como um retrato do isolamento, com registros em que a artista trocava os palcos lotados pela solidão de seu quarto-estúdio. O retorno da banda aos holofotes aconteceu em This Is Why (2023), reposicionando o centro do rock alternativo e, posteriormente, a consagração no Grammy.
Agora, depois de experimentar a introspecção solitária e voltar a provar a intensidade, Hayley parecia pronta para outro gesto radical. A resposta veio na forma mais inesperada possível: 17 faixas lançadas aleatoriamente em agosto de 2025, sem aviso, “sem” estratégia de marketing, sem explicação. Em vez de seguir um lançamento tradicional, Hayley preferiu criar um quebra-cabeça sonoro, que cabia aos fãs decifrar. A ideia, inicialmente apelidada de “Ego”, trouxe movimento aos fóruns de música, que passaram a publicar sequências alternativas e playlists com diversas interpretações individuais. A própria artista compartilhou nas redes: “Tenho estado no riacho ouvindo possíveis ordens das tracklists e ainda tentando criar a minha própria. É quase tão difícil quanto postar um photodump”.
O resultado foi lançado em 28 de agosto, Ego Death at a Bachelorette Party (ou apenas EDAABP), um manifesto contra tudo que a indústria espera de uma estrela.
Musicalmente, seu terceiro álbum de estúdio é um campo aberto, orbitando entre indie rock, trip-hop e alt-rock noventista, sem nunca se prender em rótulos. “Ice in My OJ”, faixa de abertura, transforma um gesto simples, colocar gelo no suco, em metáfora anestésica. Em “Mirtazapine” e “Kill Me”, Hayley expõe traumas, dependências químicas e o caos confessional. Já em “Whim” e “Glum”, momentos mais etéreos do disco, ela mostra as vulnerabilidades de uma mulher de 36 anos que, mesmo marcada pelo tempo e experiência, ainda se expõe com sinceridade.
A produção, assinada por Daniel James, antigo colaborador de Hayley, e Jim-E Stack (conhecido pelo trabalho com Lorde), é robusta e percussiva, muito diferente do minimalismo dos álbuns anteriores. Aqui, a música respira, explode, e soa já preparada para grandes palcos, irônico para um projeto que foge deliberadamente dos holofotes.
Outras faixas também se destacam pela versatilidade, como “Love Me Different”, flerte direto com o reggae-pop do No Doubt, e traz uma energia quase ensolarada ao disco. Já “True Believer”, “Hard” e “Dream Girl in Shibuya” expandem ainda mais esse território, explorando términos, colapsos emocionais e até paisagens distópicas, tudo de forma incrivelmente contagiante e moderna.
O ponto mais catártico chega em “Parachute”, 18ª e inédita faixa que fecha o disco. É devastadora, carregada de arrependimento e vocalizada com a mesma entrega rasgada que transformou “All I Wanted”, do Paramore, em um clássico. Aqui, porém, a dor é mais íntima, quase explícita em sua exposição. É como se Hayley dissesse ao público: “isso não é para vocês, mas eu preciso cantar”.
Em poucos dias, a crítica internacional já aclama o disco e afirma como o mais ousado de Hayley Williams, destacando o peso emocional de canções em um projeto tão autêntico. E de fato, ouvir o disco é como folhear um caderno íntimo da cantora, cheio de composições geniais, algumas rabiscadas às pressas, mas todas necessárias para compor um retrato completo.
Ego Death at a Bachelorette Party é fragmentado, mas é justamente ali onde reside sua potência. Não é um disco para alcançar novos recordes, mas é o que talvez marque para sempre os fãs que acompanharem essa fase. É Hayley Williams se despindo do personagem “estrela do rock”, para se mostrar apenas como uma artista irreverente, honesta e humana. Um trabalho que pulsa com suas imperfeições, seus riscos e suas confissões, deixando claro que a verdadeira grandeza da artista não está no palco, mas na coragem de se mostrar inteira.