Entrevista | Cruvinel fala sobre EP “Até Então” e novos passos

“Até Então” é um lançamento do selo mineiro Música aos Montes e precede o lançamento de seu disco de estreia, “Absorvendo Tudo”

Cruvinel, um dos principais nomes da Nova MPB em Belo Horizonte, apresenta ao mundo o EP “Até Então”. Trata-se da primeira etapa do lançamento do disco “Absorvendo Tudo”, que entre rupturas e continuidades, é um divisor de águas na carreira do artista – contemplando sua jornada até então e seu momento atual, depois de um longo percurso de amadurecimento artístico. 

Nascido no triângulo mineiro, na cidade de Ituiutaba, Cruvinel mudou-se para Belo Horizonte muito cedo em sua vida. Com a capital, desenvolveu uma relação íntima. Cria do circuito boêmio da cidade, cultiva fortes trocas com a cultura local.

O violão de nylon na primeira cena, junto ao timbre suave e marcante da voz ritmada, conquistaram a cena musical belo-horizontina. Tocou em grandes palcos, como o festival A Ilha e Summertimes. Em sua identidade, são incontestáveis as influências de clássicos da MPB, como Djavan e Jorge Ben Jor.

Em 2020, a trajetória do artista se uniu ao selo Música aos Montes e, juntos, lançaram o single “Ainda Espero”, que já na primeira semana atingiu o primeiro lugar no Viral BH. Hoje, o artista reúne mais de 800 mil streams no Spotify, com cerca de 10 mil ouvintes mensais. Começou a construir uma forte base de fãs na internet, principalmente no Twitter, em que postava diversas versões musicais. Em seu perfil no TikTok, alguns vídeos ultrapassam 200 mil visualizações atualmente. 

Na capital mineira, mesmo com poucas obras lançadas, o compositor já sustenta forte base de fãs, consequência não só da carreira autoral, mas de outros diversos projetos que desenvolve com músicos locais. Cruvinel também é vocalista da banda Noema, além de trilhar, com a cantora Bárbara Leão, o projeto de samba Saracuteio. Com ela, passou por diversos bares tradicionais da cidade, além de grandes palcos, como o Summertime Festival.

O EP foi lançado pelo selo Música aos Montes, pelo qual também foi também gravado e produzido. O projeto é liderado por Carol Figueiredo e Dan Oliveira, que juntos atuam não só na produção musical, mas na produção executiva. 

O EP “Até então”

Atravessado por uma estética setentista, o EP antecipa o que o álbum constrói de forma coesa: um retrato do amor de Cruvinel pelo circuito artístico, boêmio e cultural de Belo Horizonte e do Brasil. Algo presente não só nas letras, mas nas sonoridades que evocam referências locais. Nas composições, traz sentimentos comuns a todas as pessoas, amores e frustrações. “Esse álbum é sobre mim, mas também é sobre todo mundo”, comenta o compositor.

O carisma de Cruvinel transborda no groove dançante das faixas, que trazem influências do samba ao rap. Com novidades, o EP traz a identidade já solidificada até então pelo artista. As tradicionais referências da MPB estão em cena, mas a voz suave arrisca novos lugares. O violão continua sendo seu fiel companheiro, sendo protagonista nas músicas, que valorizam sua maestria com o instrumento, mas também trazem arranjos encorpados, com guitarras, conga e timbales. 

Confira, abaixo, uma entrevista com Cruvinel a respeito do EP “Até Então”, sua carreira, a parceria com o selo Música aos Montes e mais.

O lançamento do EP “Até Então” marca uma nova fase em sua carreira autoral. Qual a diferença desse novo trabalho em comparação com seus projetos anteriores?

Eu acho que eu saí da minha zona de conforto. Eu sempre tive essa tendência de fazer um som mais orgânico, uma coisa mais voz e violão na cara mesmo, mais para uma levada João Gilberto, que é uma grande referência. Agora, com novas vivências e referências, eu passei a incorporar um arranjo mais preenchido, além de utilizar outras regiões da minha voz. Acho que pensando muito no ao vivo, no show com banda, que é algo muito importante para esse novo momento na minha carreira.

Como foi a experiência de trabalhar com o selo Música aos Montes na produção e lançamento do EP? De que forma eles contribuíram para o desenvolvimento do projeto?

O Música aos Montes sempre esteve presente na minha carreira autoral, desde a primeira faixa que lancei, “Ainda Espero”, que eu produzi lá no selo. O Dan Oliveira (produtor musical do MaM) e a Carol Figueiredo (produtora executiva do MaM) sempre estiveram na minha vida, nessa construção de carreira. Durante esses últimos anos, a gente mantinha parcerias e, no final do ano passado, eu me tornei o primeiro artista 360º do selo. 

Os dois têm uma bagagem profissional gigante da indústria musical e eles buscam sempre está por dentro, porque é uma indústria que é muito volátil. As plataformas mesmo não fazem tantos anos, né? Então eu acho que eles têm, além do amor pela música, uma visão mercadológica muito séria, uma coisa que a gente que vive de arte se perde muito na hora que vai realmente trabalhar com isso. Tem toda uma romantização da profissão. 

Além disso, eu considero que eles são uma família pra mim, a gente tem uma relação muito além do profissional. Conversamos sobre tudo, passamos pelas felicidades juntos, passamos por frustrações juntos também. O Música aos Montes é um espaço que abraça muito a gente e o resultado só foi esse, porque tive eles ao meu lado.  

“Até Então” parece ter uma forte influência setentista em sua estética. Quais foram suas principais inspirações ao criar esse trabalho?

Eu acho que elas vêm muito inconscientemente, mas com certeza de nomes que admiro e sempre escutei, como Djavan, João Bosco, Jorge Ben e Gilberto Gil. Cada um tem um estilo muito particular, mas acho que todos são referência principalmente na levada do violão, cheio de balanço, ritmo, algo que eu prezo muito.

Quando eu estava no processo de composição no Música aos Montes, eu já tinha algumas faixas e o Dan comentou que sentiu essa vibe setentista. Eu sempre bebi dessa fonte do Brasil 70 e acho que ela transparece na minha criação. Quando ele me disse para a gente enfatizar essa identidade, eu pirei na ideia. Essas referências estão nos timbres utilizados, na forma de gravação, usamos até fitas cassetes, estamos orgulhosos do resultado.

Como foi, para você, equilibrar essas influências com as suas influências “recentes” e criar um som coeso?

Acho que quando você começa a compor, no processo criativo, as coisas vêm naturalmente. Mas eu acho que, como eu tenho 23 anos, eu naturalmente acabo falando dessa vivência da juventude e trazendo uma linguagem da juventude também. Acho que as referências mais rebuscadas e clássicas vieram também do fato de eu ter o Dan Oliveira ao meu lado, como parceiro de composição. O Dan é um grande violonista, então ele chegava com ideias rebuscadas de harmonia e a gente mesclava muito isso.

E a gente prezou por trazer a sonoridade mais moderna também, às vezes um beat, um bumbo eletrônico, um efeito de voz, um sintetizador. Mas também, junto, todas as nossas referências clássicas: o violão de nylon em foco, a bateria com o timbre setentista. Acho que tudo isso criou esse resultado coeso, que é um som moderno, mas nostálgico. 

Você mencionou que o álbum “Absorvendo Tudo” é um divisor de águas em sua carreira. Pode nos contar mais sobre o significado por trás desse título e como ele reflete sua jornada artística até agora?

No início de 2022, eu estava trabalhando uma música com o Música aos Montes e essa faixa era uma faixa minha mais antiga que o nome é justamente “Absorvendo Tudo”. A gente começou a produzi-la e depois começou a surgir a ideia de lançar um EP e de eu me tornar um artista fixo do selo. 

Quando começamos a compor o disco, percebemos que tinha uma mescla muito grande de estilos musicais. E aí o nome da música, de quando a gente começou esse processo, veio à tona, porque é isso, né? Absorvendo tudo. E eu acho que o processo de criação desse disco veio a partir de um processo grande de descobrimento, então também é absorvendo tudo o que eu vivi e que eu transformei musicalmente. 

O disco vem cheio dessa diversidade que é a MPB que eu colecionei de referência ao longo dos anos. Eu sou bem orgulhoso da minha cultura e eu acho que eu venho trazendo esse amor também nesse trabalho. 

Além de sua carreira autoral, você também está envolvido em projetos com outros músicos locais, como a banda Noema e o projeto de samba Saracuteio. Como essas colaborações influenciam sua música solo?

Eu acho que cada projeto influencia de uma forma. A Noema surgiu do meu projeto solo, quando eu resolvi construir uma banda. Quando a gente começou, era Cruvinel e banda, mas com o tempo o projeto foi se tornando nosso e, assim, surgiu a Noema, que hoje já tem diversos lançamentos. Esse contato de banda é uma coisa que nos faz crescer muito musicalmente. Essa vivência me levou a escutar coisas diferentes e aprender novos jeitos de tocar, cantar, ter mais experiência de palco, etc. 

E o Saracuteio também chegou aumentando meu repertório musical. A gente toca samba na noite e, nesse corre, conhece a cena bem de perto da música independente, da galera que está nos bares, nas rodas de samba e que está ralando na cidade. Então, acho que o Saracuteio me trouxe isto: sair um pouco da bolha musical da zona sul e viver de forma mais diversa a cidade. 

Como você se conecta emocionalmente com sua música?

Eu acho que minha relação com a música sempre foi emocional. Desde criança, eu sempre fui muito ansioso, elétrico, hiperativo. Então ela entrou como uma forma de eu conseguir liberar essa ansiedade toda, essa energia toda que eu tinha dentro de mim, de uma forma que às vezes era só eu comigo mesmo. Eu acho que isso é muito forte, a música me acalma muito, me tranquiliza, me faz sair de pensamentos intrusivos. 30 minutos de violão já me acalmam muito. 

Mas quando você começa a trabalhar com música, essa visão emocional toda se transforma um pouco, porque entram as questões do mercado, que às vezes te impedem de relaxar e seguir a produção de forma espontânea. De toda forma, a música é o que sempre costuma me tranquilizar, me tirar do automático – não só tocar, mas escutar, falar sobre música, assistir um show, ouvir um disco com alguém. Isso dá muito sentido para minha vida. 

Como é a sua relação com o violão, instrumento principal nas suas composições?

Meu pai sempre tocou violão, como hobby. Minha família tinha como tradição a dança catira, uma dança folclórica, e meu pai sempre acompanhou tocando, já teve duplas de sertanejo raiz e tudo mais. E eu sempre estive dentro desse universo musical. Só que eu acho que o meu interesse maior começou com meu irmão mais velho, que tocava guitarra e me inspirou a tocar violão. Eu comecei a pegar uns livrinhos que tinha na banca, com cifras, e fui aprendendo. O ritmo já estava muito dentro de mim, então eu acho que eu fui aprimorando muito pelo ouvido. 

Quando eu fui crescendo mais, cheguei a fazer umas aulas. Até hoje estudo bastante, a gente tem que buscar evoluir cada vez mais. Mas eu prezo muito por essa coisa que eu acho que já tá interna em mim que é me guiar pela levada. E eu acho que é com o violão que eu consigo traduzir essa junção rítmica com harmonia que às vezes passa pela minha cabeça. 

Você acredita que a internet influencia no seu modo de compor?

Eu acho que, por ela diminuir distâncias, ela auxilia bastante nas parcerias de composição. Em “Absorvendo Tudo”, eu e Dan, a gente mantinha contato no WhatsApp constante. Claro que eu estava sempre no estúdio também, mas pela internet ele me mandava harmonias e, por ela, a gente sempre registrou ideias. Com isso, a gente nunca parava, sempre estava em troca.

E também para buscar referências, na internet, você tem qualquer qualquer música na sua mão, a gente tem muito mais fontes de inspiração e isso influencia muito. Às vezes na hora de escrever, a internet te ajuda até no vocabulário, quando uma palavra foge da mente, por exemplo. 

“Absorvendo Tudo” é um reflexo de “Até Então”? O que se pode esperar do álbum?

Acho que no quesito composição, cada faixa ela tem sua personalidade. E nelas, eu vou falar sempre sobre o que eu vivo. Sobre minhas relações amorosas, sobre as frustrações que eu vivi. Eu acho esse outro lado do álbum que vai vir também traz uma pitada mais moderna, sem deixar de lado a estética setentista. Muitas pessoas vão se identificar, porque são situações comuns da vida. Eu canto muito sobre a vivência mineira também, de passar a noite em um bar, de viver entre as montanhas. 

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