Entrevista | André Prando esbanja brasilidade e retorna às origens em nova fase

Em seu novo álbum “Iririu”, o cantor capixaba incorpora à sonoridade a busca do seu próprio “eu”

Em entrevista exclusiva ao escutai, o cantor André Prando — que lançou em julho o seu terceiro álbum de estúdio, o “Iririu” — falou de pertencimento, dificuldades em estar fora dos maiores eixos, evoluções ao longo dos mais de dez anos de carreira, influências, recepção do público, parcerias, planos e, claro, do novo registro.

Nascido em Vitória, capital do Espírito Santo, André Prando lançou seu primeiro álbum em 2015, o “Estranho Sutil”, com uma forte pegada no rock psicodélico. Fazendo uso de jogo de palavras, havia (e ainda há) uma grande influência da MPB em sua obra, tanto no sentido clássico do termo quanto na expressão ampliada ‘Música Psicodélica Brasileira’. Em 2019, ele segue a tônica e traz ao mundo o álbum “Voador”, registrando, com “Ode à Nudez”, sua primeira música a bater um milhão de streams no Spotify — uma marca bem expressiva para o cenário alternativo.

Cinco anos depois, “Iririu” traz um encontro de Prando com o seu próprio “eu”. A começar pelo nome: Iririu é uma gíria capixaba que ele define, na faixa-título que abre o registro, como “uma palavra mágica do Brasil, misteriosa em sua origem, vitoriosa pela forma viva que fluiu. É um cumprimento, um salve inebriante, um grato axé”. E ele atribui à cidade — em especial à Universidade Federal do Espírito Santo, local onde cursou música — parte dessa formação:

“Foi onde conheci a palavra ‘iririu’. Foi um lugar que abriu muitas portas para mim, referências artísticas, muitas portas de conexão de pessoas que conheci, de artistas que trabalhavam na produção. Foi um lugar de muita absorção”.

Ao decidir produzir e nomear sua nova obra em referência à gíria, André destaca o retorno às suas origens — não só no aspecto pessoal, mas especialmente ao nascimento do artista André Prando. Com show agendado para o dia 2 de novembro no Teatro da Ufes — local de lançamento dos dois últimos álbuns —, ele não esconde o amor que tem pela cidade onde mora por opção até hoje, mas diz que se vê como um ‘artista do mundo’ e se sente estimulado a vivenciar outras cidades:

“Me sinto um artista pertencente à cidade, à história do que se faz aqui, mas fico sempre ligado para que isso não seja — e sinto que não é — uma algema minha. As pessoas me perguntam muito se eu tenho vontade de morar fora e tenho, estou sempre viajando e gosto da ideia de passar temporadas fora”.

Como exemplo, ele cita a praticidade atual de entrar em contato com artistas, produtores ou jornalistas, quando tem alguma demanda, graças à rede que construiu nos últimos anos, um cenário diferente de outros locais:

“Uma construção de um lugar onde você vive possibilita esses laços. Agora, para eu fechar um show em São Paulo, já é outra situação. Eu não tenho esse nível de intimidade que vai facilitar. Quando você mora, vivencia as entranhas da cidade, frequenta as noites, outros eventos, você começa a criar esses laços. Viver em outras cidades é uma demanda importante para criar esses laços mais íntimos que se tornam profissionais também”, diz André.

Um caso que o inspira é o do também capixaba Silva, que tem um trabalho de alcance nacional e continua morando em Vitória. “É uma pessoa que consegue morar aqui, está sempre circulando. Claro que tem toda uma outra estrutura, mas eu fico pensando em poder chegar nesse nível um dia, me interessa também. Poder considerar Vitória o meu lar, a minha ilha, e se ganhar pelo mundo, mas ter essa base aqui. Mas me interesso muito pela estrada, sempre me interessei muito pela estrada”.

Na sua busca por novos desafios e horizontes, o cantor pondera o pessoal e o artístico e escolhe a palavra “maturidade” como a melhor representante ao fazer a análise do comparativo entre o Prando de 2015 e o Prando de 2024. Passados quase dez anos, ele vê suas influências gerando um novo efeito em sua sonoridade:

“Eu sinto que, no início da carreira, eu era muito ligado ao rock, que foi uma coisa que fez parte da minha construção mesmo, cresci ouvindo. A cada trabalho, eu tentei descobrir uma forma que tivesse uma identidade minha, mas que eu conseguisse começar a dialogar mais com a essência brasileira e não com essa coisa do rock de fora. A partir do ‘Voador’, eu começo a trazer diferentes elementos percussivos, começo a flertar com alguns outros ritmos, mas no ‘Iririu’, desde o início, eu tive uma preocupação e uma intenção muito clara de tentar deixar isso mais evidente, de deixar o rock como uma peça do meu DNA — jamais negaria a presença do rock na minha história —, mas nesse disco ele é mais um tempero”.

A variedade sonora dos elementos é notável ao ouvir cada faixa do álbum, que passa por reggae, baião, tango, balada, orquestra, sopro, dentre outros.

“Antes, eu sinto que eu fazia uma coisa mais rock/pop com elementos de música brasileira, com elementos tropicalistas; agora, eu sinto que eu faço uma coisa definitivamente mais brasileira, mais tropicalista, mais latina, com o tempero do rock, então eu consegui inverter”.

Em relação à recepção do público com essa nova fase da carreira, Prando diz que tem sido como havia planejado. Ao ter lançado singles que já dialogavam com as mudanças que se concretizariam neste terceiro álbum, ele acredita que tenha “preparado o terreno”:

“Além dessas músicas, quem me acompanha de perto já está acostumado a me ver passeando por outras ondas, então não foi uma mudança que causou estranhamento. Teve um amigo que comentou que estava tentando se adaptar porque ele estava acostumado com uma coisa mais rock do disco ‘Voador’, ele achava que a identidade estava mais conectada por conta do rock e ele estava estranhando isso no ‘Iririu’. Mas depois ele me procurou de novo e entendeu a homogeneidade do ‘Iririu’ de outra forma, e não necessariamente pelo rock”.

No caldeirão de novidades, as participações especiais de Juliana Linhares e de Chico Chico no registro agregam à sonoridade enquanto novas referências se somam ao estrelado elenco de artistas que o influenciam desde sempre, passando de Beatles a Milton Nascimento:

“Tem uma coisa que eu andei ouvindo bastante que ficou mais evidente como referência no ‘Iririu’ que é o Easy Star All-Stars, uma banda de reggae/dub que faz releituras de álbuns clássicos. Um álbum famoso deles é o ‘Dub Side of the Moon’, onde tocam as músicas do ‘Dark Side of the Moon’, do Pink Floyd, em versões reggae/dub. É uma banda muito maneira e eu sempre amei. Acho que uma forma de trazer o reggae e o dub pro ‘Iririu’ possa ter vindo dessa referência que se tornou mais presente”.

Para projetos futuros, André Prando deseja trazer ainda mais inspirações — como os também citados Bala Desejo e Alceu Valença — e parcerias sonhadas. Uma delas é o Lenine:

“Já tive contato com o Lenine, nos conhecemos, ele conhece o meu trabalho e é um sonho um dia produzir algo juntos. Outro que também sou muito fã e pra mim é uma referência maravilhosa de artista no palco é o próprio Alceu Valença. A Cátia de França, que está super na ativa, acabou de lançar um álbum. O Zeca Baleiro, Chico César, Tim Bernardes, Zé Ibarra, todos são grandes artistas que são referências e seria um sonho. Compartilhem, façam chegar! (risos)”, brinca o cantor.

Ainda sobre o futuro, ele diz que o foco para o ano que vem são os shows do “Iririu”, mas não descarta a possibilidade de um show em celebração aos 10 anos de lançamento do “Estranho Sutil”, seu primeiro álbum, lançado em 2015. Independente de quais shows André Prando decida fazer, o futuro promete ser grandioso. Sua música, que ressoa com a riqueza da brasilidade e a ousadia da experimentação, revela um artista em constante transformação. Com “Iririu”, Prando não apenas revisita suas raízes, mas se abre para um horizonte vasto, onde cada música é um convite à descoberta e à reinvenção. À medida em que ele traça seu caminho, o talento e a visão prometem encantar os ouvintes com uma arte que é, ao mesmo tempo, profundamente pessoal e nacionalmente ressonante.

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