Crítica | Chloé Zhao muda a forma de contar histórias de super-heróis com Eternos

Do visual à narrativa, 1º filme da MCU dirigido por uma mulher, Eternos muda a narrativa heroica dos filmes da Marvel sem perder os padrões.

Novo filme que compõe o MCU tem dividido opiniões entre os fãs e apresentado notas abaixo do esperado, parte disso se dá por sua construção e desenvolvimento serem bem diferentes do demais filmes da Marvel. Dirigido pela chinesa Chloé Zhao, vencedora do Oscar 2021 por Normaland, Eternos marca a busca da diretora em diversificar suas produções – tanto em elenco quanto em produção – e complementa a nova era da Marvel nos cinemas.

Concebido com a assinatura extremamente clara de Zhao, Eternos é um filme que em muito se distancia do que as produções de heróis vem apresentando, mas que mantém a qualidade e o padrão característico do estúdio norte-americano. O filme conta a história – baseada na HQ de mesmo nome – de um grupo de seres imortais que vem à Terra, recrutados por um ser divino da raça Celestial, com o propósito de proteger a humanidade de criaturas alienígenas chamadas de Deviantes.

Cada um dos heróis possui uma habilidade particular, apresentada de forma didática e graficamente perfeita. Ajak (Salma Hayek) – líder do grupo, é responsável pelo contato direto com Arishem (Celestial que os recrutou para a missão de proteger a Terra) e tem poderes de cura; Sersi (Gemma Chan) – manipula matérias como madeira, metal e pedra, podendo torna-las algo diferente ou dissolvê-los em outro elemento; Sprite (Lia McHugh) é especialista em ilusões; Phastos (Brian Tyree Henry) desenvolve e inventa equipamentos diversos com tecnologia “divina”; Kingo (Kumail Nanjiani) atira bolas de energia com as mãos; Makkari (Lauren Ridloff) é superveloz; Druig (Barry Keoghan) pode controlar mentes; Gilgamesh (Don Lee) é superforte; Ikaris (Richard Madden) pode voar e atirar laser energéticos com os olhos; e Thena (Angelina Jolie) é uma exímia guerreira, que cria armas “divinas” para lutar contra os inimigos.

O grupo, criado por seres divinos, tem um ar mitológico e lendário, algo que em sua introdução quase os coloca como “arcanjos” protetores, que defendem o mundo da ameaça específica das criaturas monstruosas, mas não se intromete em situações corriqueiras e/ou outros perigos que assolam a Terra, com o pretexto de, por ordens maiores, preservar a evolução dos humanos.

Uma produção marcada pela diversidade, profundidade e beleza

O alto nível dos efeitos visuais, a ação, cenas eletrizantes e bem coreografadas de luta e a pitada humorística – entregue brilhantemente pelo duo entre o Eterno Kingo e seu “mordomo” Karun (Harish Patel) – estão presentes durante todo o longa, mas é na construção do enredo que Eternos difere das histórias passadas.

Neste filme, o ritmo é mais contido e a narrativa é muito mais explicativa – característica que é um trunfo e também pode ser um problema para quem assiste. Por se tratar de uma história que mescla uma atmosfera quase divina ao heroísmo, muita coisa durante Eternos é explicada por diálogos mais longos, íntimos e muito constantes. Além disso, o filme usa de muitos flashbacks como recurso de explicação, um elemento que pode fazer com que pareça um pouco arrastado em alguns momentos, mas na realidade acaba sendo rico e assertivo na forma de conectar seu espectador com os 10 heróis apresentados, o “vilão” e até mesmo as personagens coadjuvantes.

No aspecto visual, Chloé Zhao coloca sua assinatura de forma muito clara e entrega algo encantador nas paisagens do filme, algo que coroa Eternos e sua narrativa celeste, dado um tom simples, mas que se conecta muito bem ao emocional de seus personagens, do belo deserto que exprime o isolamento à melancolia de um pôr-do-sol, representando a calmaria e o alívio pós-luta.  

Além disso, o filme é construído com vários espaços para que haja pelo menos uma pequena conexão entre espectador e personagem, há em cada micro história um ponto empático e de aproximação. O maior destaque vai principalmente para a diversidade e como ela é explorada, além da forma como serve para conectar quem vê o longa aos dois personagens com, talvez, o “menor” tempo de desenvolvimento e de tela durante o filme.

Não basta entregar uma produção dirigida por uma mulher de origem asiática, Eternos ainda conta com um elenco diverso, com atores de etnias distintas, além de trazer a primeira heroína surda do universo cinematográfico dos estúdios Marvel. Outro ponto importante a ser levantado sobre as abordagens da diversidade no longa, é a abordagem de uma família não tradicional, composta por dois homens e uma criança, sendo todos negros. Um trabalho completo e muito bem estruturado, feito de forma natural e simples.  

Escolhas são o ponto de valor em Eternos

Em outras produções da Marvel, como Vingadores por exemplo, havia certa lógica nos objetivos do vilão apresentado, mas ainda assim, ficava claro que a ação era algo ruim para a humanidade. Permitir ou compactuar com o antagonista, era concordar com valores errados, escolher o lado do mal e demonstrar um lado negativo.

Eternos é um filme que vai além deste conceito de heroísmo padrão e apresenta maior profundidade aos valores apresentados constantemente nas produções do MCU. Se em muitas produções há uma linha muito clara entre o que é certo e o errado, aqui há uma discussão mais ampla sobre escolhas, meios e fins.

Muito mais do que uma história sobre salvar a Terra, a produção se concentra em falar sobre as escolhas individuais e para isso, valoriza muito a importância da jornada. Nesta história, não há tanta polarização dos conceitos de bem e mal, mas sim uma reflexão sobre como a trajetória individual de cada indivíduo, influencia no desejo sobre o futuro e sobre o coletivo.

Eternos é sim tudo que a Marvel apresenta em suas histórias, mas aqui, de forma muito mais densa e até artística, deixando levemente de lado o frenesi das lutas e da pancadaria para dar mais espaço para diálogos que são necessários para conduzir sua narrativa – que vale lembrar, é introdutória e precisa de um ritmo menos acelerado para que haja conexão e maior compreensão de quem são estes 10 seres imortais.

Diferente de Viúva Negra, Eternos não teve estreia simultânea na Disney+, reforçando a nova diretriz da plataforma de streaming.

Nota do Autor: 80/100

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