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Crítica | Rina Sawayama, “SAWAYAMA”

Rina Sawayama mostra como comandar um disco de estreia sabendo exatamente como mesclar estilos e gêneros.

Quando o EP ‘Rina’ foi lançado em 2017 era difícil encontrar alguém que conhecia Rina Sawayama. Os fãs do material se limitavam aqueles ratos de last.fm, ou os que passam horas no spotify indo atrás de artistas minúsculos. Quem ouvia sua música na época já ficava instantaneamente enfeitiçado com os visuais e a influência dos anos 90 e 00, prova de qualidade são as faixas ‘Ordinary Superstar’ e ‘Take Me As I Am’, duas das melhores músicas pop daquele ano.

E desde aquele momento já era notável perceber que a cantora não era um produto comum. Até porque, mesmo não sendo comercial utilizar um nome em japonês para uma carreira fora do idioma, era isso que imprimia a primeira impressão de personalidade da artista.

Mas até então ela era apenas isso, uma cantora semi-conhecida, incomum e com um trabalho independente acima da média. Igual a Rina existiam várias (e ainda existem – perdidas em playlists por ai). Então como conseguir destaque em um mar de artistas em 2020?. A solução para essa pergunta pode ter sido a coisa mais simples possível, apenas continuar a ser quem sempre foi.

A salada de gêneros de SAWAYAMA tinha tudo para dar errado. Mas (felizmente) o que temos aqui é o controle completo de como adaptar cada um deles.

Antes do aguardado lançamento do primeiro álbum oficial; ‘SAWAYAMA’, tivemos muitas prévias do que poderia fazer parte deste projeto. Era como se a cantora estivesse experimentando junto ao público sua musicalidade e os limites do que ela poderia oferecer antes de definir seu som. Logo na primeira faixa do disco o gênero base notável é o rock, em ‘Dynasty’ vemos uma direção diferente do que aqueles acostumados ao seu EP e as faixas que saíram entre esses dois lançamentos ofereciam (‘Valentine (What’s It Gonna Be)’, ‘Cherry’ e ‘Flicker’).

Para os aficionados por J-Pop uma das primeiras coisas que podem vir a cabeça são as músicas da cantora Ayumi Hamasaki, essa que mescla perfeitamente pop e rock desde seus primeiros álbuns. A produção meio metal melódico cai muito bem com os vocais, e durante a música ela aproveita para alcançar notas que não costuma praticar – fazendo isso muito bem. O estilo da música seguinte é quase que incaracterizável, tamanha a bagunça instrumental que é ‘XS’, mas isso não significa que o resultado é algo ruim, aqui ela acaba provando que misturar rock com bubblegum pop dos anos 00 resulta em uma das músicas mais divertidamente estranhas de todo o disco. É como imaginar se Mandy Moore fizesse um feat. com o Limp Bizkit em 2001.

Quando ‘STFU!’ apareceu, ninguém entendeu coisa alguma, isso porque essa foi a primeira música lançada da nova era. É também a produção mais pesada do disco e claramente inspirada pelo nu metal, podendo ser aquela mais difícil de se acostumar. O que facilita isso é como as faixas foram organizadas, é como se Rina estivesse preparando o ouvinte para essa canção começando de forma leve com o rock nas músicas anteriores… O objetivo aqui era chocar, segundo a própria cantora em entrevista à Apple Music. A função da letra é espelhar a raiva sobre a forma como a cantora era tratada devido a sua origem oriental, mas ela fez questão de adaptar isso de forma universal e empoderada, servindo para qualquer um e qualquer raça.

Que “Comme Des Garçons (Like The Boys)” é uma das melhores músicas pop de 2020 é algo inegável, e assim que lançada logo causou diversas ótimas impressões. A maior delas, foi a de quanto (para aqueles que não tinham percebido ainda) ficou claro que a artista é uma camaleoa musical, justamente por mudar tão drasticamente de estilo e conseguir fazer isso maravilhosamente bem. A faixa também serviu como porta de entrada para muitos que ainda não a conheciam, principalmente depois do lançamento de um remix (que infelizmente deixou muito a desejar) com ninguém menos que Pabblo Vittar. Desta forma, o nome da cantora começou a gerar uma pequena ansiedade para o álbum que estava por vir. Mas aqui também temos um problema; a faixa é claramente a que mais destoa se formos analisar o disco como um todo.

Entre cantar sobre sensações de pertencimento e composições de amor para si mesma, Rina retira várias camadas e mostra quem realmente é.

A música que melhor define a cantora é a que ela se abre sobre sua história. “Akasaka Sad” é sobre o que seus pais sentiam, quando migraram do Japão para a Inglaterra, e é também a sensação que ela costuma ter em sua vida adulta. Entre trabalhos e passeios para Akasaka, no distrito de Minato em Tóquio, aqui ela canta sobre não se sentir mais tão pertencente em um lugar que significa tanto para sua origem. A inspiração na própria vida para suas composições é a melhor forma que ela usa para envolver o ouvinte, somado isso a mais uma (da maioria) das produções assinadas por Clarence Clarity, o resultado é a melhor música do disco.

A primeira ouvida, “Paradisin'” parece ser só mais uma música, mas a inspiração na cultura arcade do Japão a transforma em uma das canções mais divertidas do disco. É impossível não ouvir e sentir a vibração de uma abertura de anime dos anos 90, graças aos altos bpms e o charme do solo de saxofone adicionado. O título clichê de “Love Me 4 Me” não define a música, mas também não a deixa ir muito além disso… A pegada oitentista trabalha muito bem para compensar a famosa composição sobre se amar primeiro antes de amar alguém (o que é literalmente dito na letra, em referência a uma frase de RuPaul).

Outro ponto alto do álbum é quando “Bad Friend” toca, e a sua letra é o ápice da canção. É difícil não se identificar por um momento e se lembrar de quando nós fomos o amigo negligente. A cantora relembra momentos maravilhosos que teve com alguém para depois perceber que isso não acontecia mais, pelo simples fato de acabar se distanciando de uma pessoa antes tão querida e importante.

“Fuck This World (Interlude)” serve como uma boa ligação entre as faixas que ficam em sua volta. A música, que inicialmente seria mais longa, acabou sendo picotada o bastante para passar a mensagem pretendida pela cantora. O pensamento aqui envolve clima global, extinção e o comportamento do ser humano sobre isso. Um fato curioso é mesmo tendo 2m46 a música ser considerada uma interlude. Em tempos de artistas lançando canções com menos de dois minutos em desespero por streams, Rina prova mais uma vez que a onda do momento não a afeta de jeito algum.

O problema de um artista fazer coisas tão diferentes em um único trabalho é quando fica difícil definir qual é a melhor música. Tendo apontado essa em ‘Akasaka Sad’, então resta para “Who’s Gonna Save U Now?” ser categorizada como o melhor momento do álbum. O clima de performance ao vivo no ‘Tokyo Dome’ é a escolha mais acertada, sendo notável uma influência de várias artistas japonesas, desde Shiina Ringo até Mika Nakashima (na era ‘The End’), e a faixa cairia perfeitamente como um encerramento de turnê, devido a inspiração em arena rock.

O fetiche mundial sobre a cultura japonesa (em especial de Tóquio) é a inspiração para “Tokyo Love Hotel”. O mais legal da faixa é que a cantora não apenas critica esse comportamento, mas também critica a si mesma. Ela fala sobre como as pessoas tem uma visão da cidade como algo para diversão e estética, mas não valorizam exatamente o local onde estão com respeito. O que causa uma ligação com a música ‘Bad Friend’, onde ela sentia que fazia a mesma coisa. A produção de Danny L Harle em “Chosen Family” é seu único trabalho no disco, mas que não destoa dado o tema da canção. Rina, que é uma cantora LGBTQIA+ dedica aqui uma homenagem para toda a comunidade, reverberando a questão sobre escolher sua própria família, quando a de nascimento tem problemas de aceitação. A cantora sempre falou com abertura sobre o tema, então não seria surpresa tocar neste tópico, o que ela consegue fazer muito bem. 

A escolha de fechar o álbum com “Snakeskin” é perfeita. A música é um resumo absoluto de tudo que foi mostrado durante as 13 faixas, e a sonoridade que mescla vários estilos ainda adiciona um sample da Sonata No. 8 de Beethoven. O break instrumental surge de forma catártica, e a etapa final da faixa é sua chave de ouro… onde é adicionada uma citação da mãe da artista, falando em japonês sobre independência emocional.

O segredo de Rina Sawayama para surpreender é conseguir ser imprevisível. Deixando a impressão de que tudo que vimos, ainda não é tudo.

Mesmo sendo um álbum muito aguardado, é notável o quanto Rina Sawayama conseguiu controlar seu processo de criação e trazer um trabalho tão espetacular. Era difícil saber para qual direção ela iria, e talvez essa tenha sido a melhor surpresa, pois a cantora consegue andar em vários caminhos como se já conhecesse seus gêneros como a palma da mão. Aqui ela implanta sua personalidade de forma tão marcante, que surpreende até aqueles que já conheciam seu EP anterior. Não existe problema em fazer algo tão bem feito logo de cara, o problema agora fica com os ouvintes… que mal acostumados com trabalhos tão competentes tendem a esperar nada menos do que algo no nível deste disco, fantástico. 

A vantagem de Rina é que o que ela implanta nas suas músicas é nada menos do que ela mesma, desde suas histórias no oriente e ocidente, suas influências que remetem as épocas de ouro da MTV ou sua facilidade de falar tão bem sobre assuntos tão pessoais. A ‘persona’ da cantora é o que a torna tão incomum e interessante, e sua criatividade com sangue nos olhos para servir uma carreira tão sólida é o que desperta o maior interesse. 

Isso tudo faz com que SAWAYAMA se torne um álbum muito forte e decidido. Ouvindo-o fica bem claro que a artista quis fazer um trabalho acima da média, algo que a colocasse de vez nas playlists daqueles que só apostavam na cantora de ‘Ordinary Superstar’… E ela conseguiu. O que resta esperar agora é simplesmente não esperar, Rina não é óbvia, com tantas camadas apresentadas logo no primeiro disco, não seria surpreendente se ela apresentasse muito mais no futuro. O segredo aqui é apenas absorver o que foi entregue, sem colocar limites nisso, porque definitivamente isso não é nem metade do que ela pode nos mostrar.

Nota do autor: 91/100

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