O ano era 2011 e Britney Spears lançava “Femme Fatale”, seu sétimo álbum de estúdio. Sem dúvidas este foi um ano ímpar para o que a música pop se transformaria. De um lado vivíamos o clímax de todas as derivações mais dançantes possíveis do pop e assistíamos a consagração definitiva das “novatas” Katy Perry e Lady Gaga. Do outro, Adele e outras cantoras, como Jessie J, indo “contra o sistema” e emplacando canções que fugiam de modismos e tendências.
Era uma época que, mais do nunca, a indústria musical estava excessivamente obcecada pelas pistas de dança, e que de uma forma ou de outra, virou também a obsessão da Princesa do Pop.
Vindo das polêmicas do eternizado “Blackout” (2007) e do disco relâmpago morno e confuso que foi “Circus” (2008), a artista resolveu fugir do óbvio que se esperaria de um trabalho seu, e se rendeu a uma sonoridade progressiva. O resultado é o amor aos clubes como a principal filosofia, e o electropop que tanto ajudou a encabeçar ao longo de sua carreira como principal instrumento!
Sensual, forte, divertido e empolgante, “Femme Fatale” não tem um conceito muito elaborado.
Isso poderia soar como um “tiro no pé”, porém, o que talvez seja seu trabalho mais despretensioso de todos se tornou um de seus álbuns mais fortes e coesos. A falta de explorar mais a fundo esse potencial talvez tenha sido o motivo deste não ser tão aclamado. Com o pretexto de explorar sua sensualidade como mulher, seus vocais extremamente robóticos e distorcidos idolatram a diversão.
E para isso convocou a dobradinha mais desejada dos anos 10: Max Martin, que já trabalha com ela desde seu primeiro disco, “…Baby One More Time” (1999), e o cancelado Dr. Luke, além de trazer a presença de Billboard, Will.I.Am, Benny Blanco e outros.
Uma ode às pistas de danças que só tem fim no último segundo da última faixa.
Tudo em “Femme Fatale” é “radiônico” (termo da época sem streamings). Podemos afirmar sem dúvidas alguma de que este é um álbum em que todas faixas são potenciais singles. O conceito não é nada muito profundo além de dançar e curtir!
E assim o álbum se inicia com ‘Till The World Ends’, um grande destaque em sua discografia e massivo hino pré e pós-apocalíptico que grita por energia e dançar até o mundo acabar. Qualquer semelhança com grandes hits da época como ‘We R Who We R’ e ‘Blow’ de Kesha não é mera coincidência: a faixa estampa e deixa bem na cara que é um composição com o “selo Kesha’. E mesmo assim, o DNA de Britney Spears é visto do começo ao fim de seus 3’57’’.
O que não chama tanto atenção vindo de Spears, porém faz falta, é praticamente não ter escrito ou sequer co-escrito as canções presentes. E apesar da grande qualidade sonora, em alguns momentos o conteúdo do disco fica vazio e se apoiando no know how da artista.
‘Hold It Against Me’, responsável por encabeçar os singles, nos mostra uma artista jamais vista antes pelo seu público. A canção carrega consigo uma intensa progressão sonora que soa triunfal. Esta é a Princesa do Pop bebendo da fonte do mais intenso dubstep, que até então estava sendo descoberto e iria viver sua onda no universo da música pop. Com um break impecavelmente forte, sexy e imponente, não surpreende por ser uma música que deixou um grande legado em sua carreira.
Um fato curioso é a participação de Bonnie McKee nesta faixa e na “experimentação do melódico electropop up tempo” de ‘Inside Out’. A compositora esteve por trás de alguns hits de Kesha, Carly Rae Jepsen e no fenômeno do “Teenage Dream” de Katy Perry. Participando de 5 faixas do projeto de Spears, vemos a essência do mais comercial que McKee traz, se misturando de forma uniforme com a atemporalidade. O resultado disso são hinos pop dançantes na “dosagem correta”.
Outra prova disso é a expressiva ‘I Wanna Go’. Sua batida extremamente eletrônica inspirada na house music e vocais majoritariamente robóticos e distorcidos, além de assobios, chegam a proporcionar uma experiência ímpar. Com versos sobre se desprender do que os outros dizem, a faixa chega a soar um dos únicos momentos mais pessoais do disco. É quase automático pensar em seu passado e histórico da pressão da mídia. Tudo isso citado de um jeito libertador e de fácil identificação por qualquer um.
‘How I Roll’ marca um momento bem individual e experimental dentro do todo, bem comum em suas obras. O europop corre na veia, para nos transmitir alguns minutos de puro frescor e refinamento. Barulhos de bolha, respiração e uma voz masculina robótica se juntam com um vocal doce da cantora.
Mudando totalmente o clima, as empolgantes ‘(Drop Dead) Beautiful’ feat. Sabi e ‘Seal It With a Kiss’ são um dos poucos minutos com mais visibilidade e similaridade com as obras anteriores da artista. E mesmo assim carregadas de sintetizadores pesados. O que fica ainda mais intenso no ato singular de ‘Big Fat Bass’ feat. Will.I.Am que nos proporciona um casamento do eurodance com EDM “a la” Black Eyed Peas.
Em uma transição coesa, ‘Trouble For Me’, ‘Trip To Your Heart’ e ‘Gasoline’ desaceleram um pouco (e só um pouco mesmo) as energias para flertar com um estilo dance sem se apegar a fórmulas mais específicas.
‘Criminal’ é exótica. Uma flauta se mistura à sintetizadores e um orquestra para formar um momento de único respiro de uma possível inovação, e que toma proporções gigantes. Encerrando de maneira genial e com uma vibe totalmente diferente do resto do disco.
“Femme Fatale” não soa tão inovador e a frente de seu tempo quanto obras como “Blackout”.
Não foi aqui que criou tendências e ditou como o pop iria se comportar. Porém, a verdade é que, honrando o título de Princesa do Pop, pegou tudo o que estava em alta para a época e provou que domina tanto o gênero que consegue executar com um gigantesca superioridade.
Ao contrário de inúmeros hits passageiros e genéricos que surgiam na época, a perspicácia e expertise de Spears foi tanta, que seu trabalho não soa datado. Ouvir esta obra depois de 10 anos nos traz uma nostalgia contagiante e que aqui é atemporal e refrescante.
Podemos afirmar que, como dizemos na internet, este álbum envelheceu como o mais puro vinho e a cada vez fica mais divertido e empolgante, provando que sim, Britney Spears é o pop.