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Crítica | Lorde, “Solar Power”

Em uma adoração calma e dançante (alá a seus modos) ao sol, Lorde retorna com um disco perspicaz em dividir.

Houve sempre uma intenção única de Lorde com os seus discos. É bem claro que desde o seu primeiro projeto, ela nunca foi e nunca será do tipo que simplesmente pincela uma tela em branco sem antes entender os seus métodos de composição da maneira mais plausível e crua para si mesma. Não é que a magia esteja em ela nunca ter ousado fazer isso, mas é que isso nunca foi de fato necessário. Ela carrega um poder só seu em suas mãos que a torna uma das artistas mais complexas da indústria, mesmo que nem todos entendam isso (o que faz parte).

Oceanic Feeling”, que encerra em mais de 6 minutos o “Solar Power“, terceiro álbum de estúdio da neozelandesa lançado na sexta passada (20), reflete sobre essa energia; alegando que tudo que ela construiu não foi sozinha. Foi ao lado da família, do seu eu do passado que usava um batom cereja escuro que agora está acumulando poeira, de amores dolorosos e todas as coisas vivas sob o sol. A nuance de resolução brilha com um esplendor digno de sentimento oceânico na faixa que se transmuta em seu minuto final para apagar a tocha.

Mas antes da noite invadir por inteiro o “Solar Power”, a pira de sentimentos, que é simples no quesito sonoro, é acesa por sensações refrescantes que aparecem no horizonte, logo no primeiro instante. “The Path” ilustra as bifurcações que o disco vai apresentar por toda a sua tracklist. A canção possui sozinha praticamente 3 batimentos que a caracterizam como um dos melhores feitos do projeto, seja pelo seu andar que arrepia, ou a ótima produção que aciona diversos instintos.

O sol ilustra para Lorde o caminho que ela deve seguir (“I just hope the sun will show us the path”), e o tom veranil da faixa título se desenvolve com a conjuntura geral se tornando nostálgica e ainda mais delicada. É sim o seu lead single que carrega uma potência inferior aos outros, mas tem suas próprias raízes, ou melhor, feches de luz.

Lorde Solar Power booklet (2021)

É com uma aura espetacular que “California” se forma, a canção que repassa os sentimentos da artista quando a sala explodiu ao seu nome ser anunciado no Grammy soa extremamente como algo para se escutar o verão inteiro. O verso “Now in my hometown, sunbathing / My girlfriends, and my baby / But every time I smell tequila” fixa na cabeça por sua melodia cativante, assim como os dizeres finais.

Stoned at the Nail Salon” é linda, mas infelizmente não cresce muito agora com o jogo completo. Porém, a sátira sobre a cultura do bem-estar em “Mood Ring”, terceiro e recente single, parece se formatar ainda melhor e se adentrar para dentro de uma das melhores apostas da carreira.

Diretamente do Gênesis, há em “Fallen Fruit” uma reflexão sobre como a humanidade se rendeu à tentações que nos levaram ao começo do ápice da nossa queda, e que ao lado da produção incrível de Jack Antonoff tornam a música melodicamente crua e brutal. Caso houvessem mais dessas tentativas agitadas dentro do álbum, a ideia de digestão seria outra.

Big Star” por exemplo, mescla na letra quem ela era com o luto da perda de seu amado cão – em um verso que abrange a eternização de alguém através de uma foto e outro sobre estar cansada de festas, é possível compreender o amadurecimento da artista, a canção serve como uma bela maneira de honrar, mas ao mesmo tempo é um pouco morna. “Leader of a New Regime” infelizmente também fica nesse terreno, mesmo tendo certas camadas  interessantes em seu background.

Do mesmo modo das outras duas, “Dominoes” mantém essa pulsação, mas é a que se sai melhor. É notório reparar que ela cresce e se torna até um pouco aditiva, ainda mais pela pequena duração. Acima de tudo, curioso é o fato das letras dessas canções ficarem cirúrgicas conforme o tempo passa sem que haja a necessidade do ouvinte dominá-las totalmente, e quando se domina, é possível compreender quão cirúrgica Ella é com suas composições. Se “The Man with the Axe, que também está dentro da mesma fase de ritmo das anteriores, fosse ditado como um período em que o sol ainda estivesse ativo, ela seria no seu poente. Na reta de encerramento, a faixa fica em nítidos tons laranja e engloba uma harmonia deliciosa.

A canção de número 6 é aqui o maior trunfo do álbum, “Secrets from a Girl (Who’s Seen it All)” é elétrica dentro da bolha do registro de estúdio, mesmo não levando essa sensação ao pé da letra. O seu som ainda mais orgânico do que as outras, encontra um equilíbrio perfeito e fecha com chave de ouro com um monólogo espetacular na voz de Robyn, que faz a obra entrar em uma turbulência silenciosa.

Em pontos líricos, Lorde com esse disco se firma ainda mais com uma das melhores da atualidade. São letras incisivas sobre si mesma que nunca deixam de provocar um sorriso automático nos seus fãs íntimos. De maneira musical, ele não desaponta por se manter dentro de sua própria identidade, o problema acabou sendo para muitos, a bagagem da artista.

Isso nos faz analisar: se no “Melodrama” embarcávamos em uma montanha russa sobre a dissolução de um relacionamento que abrangeu de modo espetacular quaisquer âmbitos desse rompimento, no “Solar Power” encontramos as forças que a fizeram continuar. Por que não sintonizar nessa estação também?

A imersão de sentimentos aqui é mais simples, no tópico sonoro, mas ainda assim apresenta obras que são de fato, especiais na discografia da artista. No fim, o resultado é um saldo que deve perdurar por muito tempo, e lá na frente, ao absorvermos melhor essa sua libertação do inverno, iremos confirmar o óbvio: Lorde não pertence a um único verão.

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