Crítica | Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é onde o multiverso colide entre cinema e arte

Sendo a iguaria perfeita para quem quer ver algo além das linhas comuns da imaginação, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é um suprassumo

Há um episódio em BoJack Horseman que abraça os fãs do show de um jeito diferente. O capítulo se passa todo em baixo d’água e praticamente não tem falas. A princípio, a equação é bem humorada, mas em seu fundo, é como sentir-se como uma bolha e ver a ponta de uma agulha a estourando. Isso é um gradativo eixo para colocar em prática o poder que a conexão humana possui.

Diante desse ponto, talvez nenhuma outra produção tenha originalmente chegado tão fundo na alma da galáxia dessa questão. Surge então, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All At Once, no título original). Que usa essa moral e a mostra em uma contação de história colossalmente extraordinária, divertida, criativa e potente. Temos que ser direto, esse é um filme nunca visto dentro do cinema.

Ao acompanharmos a maluca jornada de uma heroína fora dos padrões de hoje (obrigado por isso!) numa missão que envolve uma entidade poderosa, com princípios que ninguém sabe, que está causando uma ruptura interdimensional na realidade, ou nas várias, imediatamente nos damos conta do real estímulo da obra: amor, conexão, família, passado, e claro, pessoas.

O que fazemos por essas pessoas e o que elas fazem por nós. Todo o amor em torno desse debate instala sua força em um tipo de humor extremamente caricato, e não pesa sua dosagem ao falar sobre os problemas dos personagens na cara dura. Do outro lado, a energia que concentra todo o drama é brilhante. É como assistir uma aula insanamente bem montada para ensinar como é possível mesclar com sabedoria esses dois gêneros em um núcleo voraz sobre o que move o ser humano em uma caminhada autêntica por inúmeros planetas.

Do mesmo modo que pratica um enredo extremamente complicado (o que já é normal para a produtora, a A24), ele engole uma força universal para colocar em prática o tema de multiverso. Que pode ser ou muito denso, ou fácil e empolgante para outros — para quem segue a Marvel, por exemplo, infelizmente mal encaixado recentemente em “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura“.

A24/Diamond Films (reprodução/ Allyson Riggs)

A fórmula aqui é não seguir uma

São postos tantos quadros de imagens e de diferentes concepções para decifrar o original enredo que a única opção de quem presencia o ar mágico e de poesia naquele momento é de tentar entrar no universo, e buscar respostas por conta própria. Essa técnica de imersão é tão genial que quando reparamos quando nos entregamos ao filme, ele já acabou.

Posicionar tantos frames em questão de segundos não é algo fácil. E definitvamente não temos pessoas no projeto que assumem riscos que não dão conta. Seja pelos rumos escolhidos para desenvolver todo o brilhantismo ou os quesitos técnicos. Michelle Yeoh é uma presença tão forte no seguimento da história que você mal se dá conta que ela evolui como um pássaro pronto para voar. É absurdo. Ke Huy Quan também quebra as paredes da dualidade, e simultaneamente Stephanie Hsu faz o mesmo com uma personagem notável e cheia de linhas de apreciação.

O poética ato dos diretores Daniel Scheinert e Daniel Kwan se encaixa em todo e qualquer parâmetro que um longa incrível possa ganhar, e isso com uma proposta totalmente disruptiva de qualquer coisa vista no cinema recente. Logo, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não é o melhor filme do ano, é algo muito além de uma definição como essa.

Nota: 100/100

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