Quando a primeira exibição de F1 – O Filme foi realizada em uma sessão exclusiva com os pilotos do esporte, a reação dos condutores mais velozes do mundo não foi animadora. Semanas depois, na première da película, os semblantes do seleto público convidado para sentar diante da telona também não foi o mais alegre. Diante de tamanho desânimo, a ansiedade para conferir a possível bomba cinematográfica crescia em meio aos entusiastas de automobilismo. Nos parágrafos seguintes serão apresentados pareceres para leigos, bem como para os fãs das “fórmulas”, a respeito de F1 – O Filme.
O público que se diverte facilmente com produções hollywoodianas tem um prato cheio a uma distância simbólica de um ingresso de cinema. O filme apresenta Brad Pitt como Sonny Hayes, um piloto aposentado de Fórmula 1 que, diante do pedido de um amigo, aqui satisfatoriamente interpretado por Javier Barden, topa voltar ao esporte enquanto uma esperança para que a equipe fictícia Apex GP não vá à falência. Vencido por um vício em jogos de azar, com uma extensa lista de ex-companheiras e morando em uma van, Hayes decide encarar a proposta de seu colega — mas não pelo gordo salário que, como todo piloto de F1, receberia. Se não por dinheiro, por que seria? É ao redor desse questionamento que gira o enredo da obra — além de, é claro, velocidade.
A jornada do herói
Dado o comportamento ousado e irreverente dos pilotos de categorias como Nascar ou Fórmula Indy, a personagem de Pitt se mostra como um completo caipira, como se seu lugar não fosse dentro de um cockpit, mas sim pilotando uma picape, em um desses modelos reverenciados pelos estadunidenses. Quando colocado em um espaço tão glamouroso quanto a F1, o piloto milagroso é visto como uma grande piada, tanto por seu histórico de piloto que nunca atingiu o lugar mais alto do pódio, como também um forasteiro, alguém que não tem a mesma elegância que os outros vinte pilotos do grid. Ao longo do filme, percebe-se que “o milagre de Sonny Hayes” acontece por sua experiência nas pistas, e não necessariamente por seu talento.
É ao que tange à chefia da Apex GP que o filme degringola: no mesmo ano em que tal esporte, marcado pela atuação quase onipresente de homens, dá as boas vindas ao trabalho de Laura Müller, a primeira mulher engenheira de corrida do esporte, a película, dirigida por Joseph Kosinski (Top Gun: Maverick), insere a figura feminina interpretada por Kerry Condon em um núcleo de romance com a personagem de Pitt. Questionamentos como “os meios” que a chefe de equipe do filme chegou ao posto que ocupa são trazidos à tona, o que reforça a natureza errônea da masculinidade no esporte. Quer algo mais blockbusteresco do que um romance completamente desnecessário, só pela diversão e perpetuação da trama da mulher que não resiste aos encantos do galã da história?
O marketing da F1
Não é exagero dizer que F1 – O Filme é uma grande propaganda. Afinal, o próprio nome — e a marca registrada — do esporte estão por todos os lados. Tal qual nos padoques, marcas e patrocinadores tomam os macacões e carros dos pilotos. Relógios, champagnes, estampas e menções lembram o espectador do porquê o esporte é tão elitista. Abraçando o espírito capitalista em quase a totalidade das cenas, pode-se afirmar de que F1 – O Filme é uma peça construída para disseminar essa categoria do automobilismo nos Estados Unidos, uma vez que o último piloto estadunidense a passar pela Fórmula 1 foi Logan Sargeant, cujo desempenho foi bem insatisfatório.
Se a missão da trilha sonora era criar um clima de adrenalina, superação e romance previsível, ela cumpre com o mínimo de emoção possível. As faixas do disco criado especialmente para o filme entregam o DNA da produção: pop e genérica. No entanto, ela é valiosa por presentear o mundo com (o pop genérico) “Just Keep Watching”, de Tate McRae. Há uma decepção maior ainda ao ler o nome de Hans Zimmer nos créditos do filme. Seu trabalho, magnífico e já conhecido de outras obras, como Duna, Interestellar e Dunkirk, fica ofuscado e perdido.
F1 nas pistas reais
Mesmo apresentando o universo da estirpe da F1, com cenas gravadas durante um treino e outro de grandes prêmios reais, em meio aos pilotos que competiram na temporada de 2023, a película homônima se distancia do que é, verdadeiramente, a Fórmula 1. De fato: há toda uma questão de competitividade, dilemas, dificuldades, adaptações e afins. No entanto, não é assim, tão romanticamente e idealizado, que o esporte corre a altas velocidades. O ponto alto do filme não é bem o final que, dado aos fatos acima apresentados, o leitor possa imaginar qual é. A qualidade IMAX, juntamente à produção da Apple TV, permitem que o som dos motores soe deliciosamente no ouvido do espectador. E é aí que reside a empolgação de um filme medíocre: a emoção que um esporte como a Fórmula 1 causa.
Para os fãs de automobilismo, F1 – O Filme é fidedigno ao que tange à presença dos pilotos. George Russell é o arruaceiro de sempre, os carros da Alpine apresentam desempenho insatisfatório, Lewis Hamilton — um dos produtores da obra — é um dos adversários mais determinados e Fernando Alonso é um exibicionista incorrigível. Isso sem mencionar a própria FIA, órgão regulamentador da Fórmula 1, reconhecido por suas insistências e penalidades infundadas e gratuitas. Até mesmo o treino de pescoço é similar, de certo modo, ao desempenhado pelos pilotos, e o som dos motores é igualmente emocionante. A temporalidade, no entanto, é confusa: como poderia Sonny Hayes ter corrido com Ayrton Senna e, ainda assim, estar em boa forma para correr nos dias atuais? 39 anos de carreira é um tempo muito, mas muito mais longo do que qualquer trajetória na Fórmula 1.
De qualquer forma, vida longa ao esporte; quanto ao filme, que a empolgação ao seu lançamento seja eterno enquanto seu marketing durar.