O Ultra Brasil 2023 conectou música e cidade com alta qualidade e segurança

O festival internacional de música eletrônica Ultra Brasil aconteceu nos dias 21 e 22 de abril, em São Paulo

Aconteceu no último final de semana (21 e 22 de abril) a sétima edição do Ultra Brasil, um dos maiores eventos urbanos de música eletrônica do mundo. O festival teve como cenário o Vale do Anhangabaú, no Centro Histórico de São Paulo, reunindo mais de 40 mil pessoas e superando as expectativas do público. O escutai esteve presente nos dois dias e conta como foi a experiência de ver alguns dos maiores e maiores interessantes DJs do momento reunidos.

Criado em Miami, nos Estados Unidos, o Ultra é reconhecido por celebrar DJs históricos, nomes em ascensão e artistas das cenas undergrounds de música eletrônica ao redor do mundo. A última edição brasileira aconteceu em 2017, no Rio de Janeiro, e o retorno para São Paulo chega depois de doze anos, culminando com dois importantes momentos: a criação do Marco Zero dos Festivais, projeto público-privado que visa integrar grandes eventos de música à cidade, e a retomada da efervescência criativa e cultural da noite underground de São Paulo após a pandemia, que dizimou iniciativas, empreendimentos e políticas públicas (saudades, SP na Rua!).

Quem vive e frequenta esse lado da vida noturna da cidade tem notado novos ares, com a cena sendo bem representada também nos line-ups de outros grandes eventos como o Time Warp (que acontecerá em maio) e no palco eletrônico do The Town (em setembro). Esse movimento contribui com a renovação e o fortalecimento dessa parcela do setor econômico, criativo e cultural de São Paulo — que já esteve entre os destinos mais procurados por quem curte a noite em todo o mundo.

A seguir, confira como foi a experiência da sétima edição do Ultra Brasil:

Crédito: Ultra Brasil 2023 (reprodução)

Segurança e localização

Apesar de ter se mostrado na prática como um excelente local para festivais, o anúncio do Vale do Anhangabaú como cenário do Ultra Brasil (e de outros eventos, como o MITA no início de junho) causou preocupações e pânico desmedido nas redes sociais. A notícia chegou em um dos momentos que o Centro de São Paulo mais sofre com ausência de políticas sociais e de segurança, com um alto número de pessoas em situação de rua e grande aumento de crimes na região. Mas é justamente a ocupação da área que pode contribuir com a mudança desse cenário, como o Ultra mostrou ao longo do final de semana.

Com um posto da Polícia Civil instalado dentro do festival, presença massiva da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar nos arredores e um exército de seguranças privados dentro e fora do evento, não foi difícil se sentir seguro no Ultra Brasil. Quem saía das estações de metrô mais próximas (Anhangabaú e São Bento) logo se deparava com agentes públicos e privados de segurança. Dentro do evento, policiais também circulavam ao longo dos dois dias.

A escolha do Vale do Anhangabaú adicionou ainda um fator especial ao festival: o cenário. Com prédios históricos, edificações modernas e algum verde ao redor, o espaço ganhou ainda mais charme ao anoitecer, quando a iluminação dos palcos invadia os quatro cantos do Vale. Do centro da arena era possível ter uma visão 360º de tirar o fôlego, como mostram as imagens divulgadas pela organização. A união entre o visual da cidade e artifícios tecnológicos fizeram muito bem aos olhos e estabeleceram uma das principais marcas do evento, a conexão entre música e cidade, que também é vista em outras edições do Ultra pelo mundo.

Contudo, já nas primeiras horas após o término do primeiro dia do festival, moradores da região se manifestavam nas redes sociais sobre o incômodo causado pelo som alto e prometiam entrar com processos contra a Prefeitura de São Paulo e organizadores do evento. Reclamações também vieram de comerciantes e trabalhadores nos arredores do Vale do Anhangabaú. Apesar do acesso aos prédios não ter sido impedido, foi dificultado com barreiras e desvios, e quem saía da estação Anhangabaú do metrô precisava dar volta por outras ruas para acessar a entrada de edifícios no local.

É claro que a realização de um evento deste porte traria impactos no cotidiano da região. O importante é que a partir de agora sejam estabelecidos diálogos para que as diferentes partes entendam como cada um é impactado e quais benefícios pode-se tirar da situação.

Crédito: Ultra Brasil 2023 (reprodução)

Estrutura e serviços

O exuberante cenário urbano do Ultra Brasil realmente chamava muita atenção, assim como seus palcos. Então, a solução encontrada pelos organizadores foi trazer sobriedade e minimalismo para as estruturas de serviços disponíveis no evento, com identidades visuais discretas. Bares, área de alimentação, banheiros, ponto de hidratação, loja oficial, ambulatório, base da Polícia Civil e demais serviços foram distribuídas ao longo do Vale do Anhangabaú, utilizando inclusive estruturas pré-existentes no espaço. Isso ajudou a minimizar filas, exceto nos sanitários, que como em qualquer outro festival tiveram certa aglomeração em momentos de pico, mas era só andar mais alguns metros para encontrar cabines vazias com facilidade.

Parte da Praça das Artes também foi utilizada para abrigar um palco, camarins e sala de imprensa — localizada ao lado da arena, foi lá que Skrillex e M.I.A. fizeram apresentações surpresa no início deste mês. Lounges com vista privilegiada ocupavam áreas nas laterais dos dois principais palcos, já a área VIP do evento foi instalada na Praça Ramos de Azevedo, com o Theatro Municipal de São Paulo ao fundo. A presença de ativações de marca também foi mínima, com pequenos stands de marcas de bebidas alcoólicas e energético, além de um estúdio de tatuagem onde o público poderia pagar a valores a partir de R$ 150 por desenhos pré-definidos. Um ponto para fotos com o logo do festival ficava ao final de um dos principais acessos, na Av. São João, e teve longas filas durante todo o evento.

Os quatro palcos do Ultra Brasil eram um acontecimento a parte. Integrados ao visual do Vale do Anhangabaú, mas com identidades muito distintas, as estruturas eram repletas de telões de LED e iluminação especial, e estavam localizadas em quatro pontos da arena. O Ultra Main Stage, palco principal, foi montado em frente ao Viaduto do Chá, enquanto do segundo maior palco do evento, o Resistance, dava para ver o Viaduto Santa Efigênia. Este último também era o único palco coberto, criando um clima de pista de dança mesmo durante o dia ensolarado. Nas laterais estavam os palcos secundários UMF Radio, instalado na Praça das Artes, e Ultra Worldwide Stage, no lado oposto do acesso pela Av. São João, em frente ao espaço cultural Estúdio Lâmina. Todos os palcos tinham ampla visão e fácil acesso. Em diversos momentos era possível chegar até a grade durante as apresentações — eu mesmo vi o show do Marshmello de pertinho e senti todo o calor das chamas de fogo utilizadas durante a apresentação do DJ.

Comer e beber no Ultra não era difícil com os diversos pontos distribuídos pelo festival. Mas os preços elevados (e próximos dos praticados em grandes casas noturnas da cidade) assustaram parte do público. A cerveja em lata saía por R$ 18, enquanto uma garrafa de 500ml de água mineral custava R$ 11. Sucos, energéticos e refrigerantes tinham o mesmo valor, R$ 12. Para comer, opções tradicionais e vegetarianas de lanches, doces e empadas, entre outros, com preços variados. Já na loja oficial do festival, apenas com produtos da marca Ultra, camisetas e bonés custavam a partir de R$ 150, enquanto os moletons saíam por R$ 300.

Crédito: Ultra Brasil 2023 (reprodução)

Outro destaque da organização do Ultra Festival foi a limpeza. Banheiros e arena estavam constantemente limpos e lixo no chão era uma realidade apenas nos momentos de maior aglomeração nos diferentes palcos. Na maior parte do tempo era possível ver a equipe de limpeza trabalhando constantemente, assim como lixeiras estavam presentes ao lado de todos os bares e pontos de serviço. Nota 10.

Atrações e público

O grandioso time de atrações nacionais e internacionais apresentadas pelo Ultra Brasil merece elogios. Dos grandes DJs presentes nos topos das paradas de sucessos aos nomes mais interessantes do circuito underground e de cenas alternativas da música eletrônica, opções interessantes para todos os gostos não faltaram.

As atrações foram dividas nos quatro palcos do longo dos dois dias seguindo critérios de curadoria cuidadosos. No Main Stage ficaram os nomes mais comerciais, enquanto no palco Resistance o destaque eram para DJs da cena underground. Já o UMF Radio recebeu artistas brasileiros, reafirmando o compromisso do festival com a cena eletrônica nacional, enquanto o Worldwide foi casa de artistas e gêneros em ascensão ao redor do mundo.

Embora a música fosse a grande protagonista do evento junto dos artistas, a grande quantidade de painéis de LED e estruturas de iluminação grandiosas ajudaram ampliar o impacto das apresentações, principalmente no Main Stage. Durante os shows dos headliners, como Timmy Trumpet e Axwell, o uso de jatos de fumaça e fogo foram marcantes. Ao final das duas noites, um espetáculo de fogos de artifício criou o clímax perfeito para encerrar a sequência de apresentações.

Contudo, vale ressaltar a baixa presença de mulheres na programação do Ultra Brasil. Com exceção do palco principal, onde nenhuma DJ se apresentou (a única mulher a pisar por lá foi a cantora Iza, durante o set do DJ Snake), a participação delas nos outros palcos foi pequena, mas estrondosa. Destaque para Groove Delight, codinome da DJ e produtora Ké Fernandes, que finalizou sua apresentação com uma mensagem sobre a importância da presença e valorização das mulheres na cena eletrônica. Esperamos que esse ponto seja revisto na próxima edição.

Crédito: Ultra Brasil 2023 (reprodução)

Dentre todas as apresentações que assistimos, destacamos as dos brasileiros — que diversas vezes reforçaram sua gratidão por ocuparem aquele espaço. Nomes como Riascode, Etta, Duncan, Malifoo, Zuffo, Sandeville, Almanac e Coppola foram alguns dos que mais nos chamaram a atenção — todos atrações do palco UMF Radio. Fica o convite para ouvir o descobrir o trabalho desses artistas!

Diverso, moderno e extremamente educado, o público do festival também merece destaque. Formado sobretudo por brasileiros, mas também muitos visitantes estrangeiros, que exibiam orgulhosamente as bandeiras de seus países, a galera que foi ao Ultra Brasil ajudou a tornar a experiência ainda mais incrível. Apesar das roupas pretas prevalecerem entre os clubbers, parte da audiência também investiu looks ousados e fantasias, assim com deve ser. Nos chamou atenção ainda a grande presença de pessoas acima dos 50 anos, ao contrário do que estamos acostumados em eventos como Lollapalooza e Primavera Sound, reforçando como a música eletrônica é inclusiva e nada etarista.

***

No geral, Ultra Brasil 2023 se mostrou como um festival interessante, muito bem organizado e com a cara de São Paulo, decretando o Vale do Anhangabaú como ‘o lugar’ para os eventos de música na cidade. Também estabeleceu um alto nível de qualidade para os próximos projetos que aconteçam ali — e que sirva de exemplo para outras propostas em diferentes locais. Estamos animados para a próxima edição, até lá!

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