Crítica | Sweet Tooth fermenta esperança por todos os lados

O novo programa original Netflix chegou semana passada no catálogo e tem no centro a história de um garoto-cervo.

Curioso, e até angustiante, é a Netflix lançar em plena pandemia (com o cenário ainda mais pior aqui no Brasil) uma série sobre um vírus mortal que dizimou parte da humanidade. Ainda bem que, ao menos, a aposta deu super certo e o serviço de streaming tem mãos com “Sweet Tooth” uma produção doce, com panos de fundos que retratam a total falta de humanidade, mas ainda doce.

O mais intrigante ainda é que o material fonte do programa é sombrio, porém, na adaptação, o tom que vemos nos quadrinhos da Vertigo (selo da DC Comics) é logo contrariado para dar espaço a uma história sobre inocência que busca a todo momento chacoalhar o telespectador para dizer que ainda há esperança, e de fato há.

Gus (Christian Convery), um garoto-cervo, é resultado ou consequência de uma doença (chamada Flagelo) que acabou com metade da população, por isso, ele merece o dobro da atenção, já que caçadores, uma milícia chamada de Os Últimos Homens, querem acabar com todas as crianças parte humanos e parte animais. Com isso, seu pai, Richard (Will Forte), isola-se do mundo e passa a viver em uma floresta. Com o tempo, o garoto cresce e as dúvidas sobre o que há além da cerca aparecem aos montes. E é então que começo para Gus, se dá no fim.

Com o menino descobrindo como é a nova realidade lá fora, somos induzidos a um mundo que é a resposta mais óbvia possível para um cenário pós-apocalítco, onde ainda se tem pessoas boas, mas que até mesmo no fim do mundo, erguem crenças onde há ganância não para salvar o próximo, mas sim si mesmo. Situação essa que é alimentada pelo vilão, que merece menção logo de cara por ser o ponto mais fraco e insignificante daqui, infelizmente não soma nem tira. Mas a equação geral resulta em uma resolução muito positiva, e essa questão do inimigo pode ficar bem de lado, já que a trama envolvente e carismática é a responsável por nos entregar uma das séries mais gostosas da plataforma.

Gus é ingênuo e mágico, Convery chega perto de levitar com um desempenho imensamente dócil e facílimo de ganhar qualquer um. Ele está ali lendo o que o roteiro pede, mas dá pra sentir também que ele tá sendo simplesmente ele. Essa pureza do protagonista é motivo para tamanho acalanto que o telespectador vai sentir no decorrer dos seis episódios (ótimo número por sinal) na jornada que sempre busca surpreender causando viradas e apresentando coadjuvantes com ótimas motivações.

Ressalva muito importante para o uso desses personagens que rodeiam o menino-cervo; Jepperd (Nonso Anozie) tem um dos melhores desenvolvimentos, as revelações sobre seu passado são inteligentes considerando o atual contexto e nos fazem entender bastantes porquês; Bear (Stefania LaVie Owen) se inclui lindamente no enredo; Aimee (Dania Ramirez) instiga bastante com a sua reserva para cuidar dos híbridos; Dr. Aditya Singh (Adeel Akhtar) e Rani Singh (Aliza Vellani) são adições finais que logo devem se ligar com o protagonista, e o núcleo os envolvendo com a vizinhança é incrível. Essas boas aplicações de personagens secundários movimentam a trama com ótimas argumentações que acabam indagando outros pontos ainda mais fortes.

Com a inserção de muitas outras sub-tramas, “Sweet Tooth” acerta em cheio em sempre mostrar episódios com novas histórias que podem sim ser consideradas previsíveis em uma história com características “road movies”, mas que quando são amarradas, provocam uma sensação de frescor que alia-se notavelmente com todo o conteúdo, dando muito coração para a obra. Cada nova arco é regado de bons momentos com os protagonistas, sempre oferecendo doses de leveza necessárias em meio ao caos muito bem idealizado do mundo que a série traz.

Se havia esperança, a nova fantasia da Netflix não ousa em dizer isso com poucas palavras, tanto é que o final de temporada é devidamente triste em termos de preparação para novos episódios, mas emocionante, e também alegre. Parece impossível, mas a sensação de conforto se mostra desde o primeiro momento na bem elaborada adaptação.

Caso novos episódios aconteçam, e eles tenham o mesmo nível de qualidade de destrinchamento quanto esses de estreia, a produção pode sem a menor sombra de dúvidas se tornar uma das melhores séries do serviço de streaming. Já que é entre erros e acertos, e apostando mais em quantidade do que qualidade, que a provedora global de entretenimento fez uma série digna de ecoar por muito tempo.

Assista “Sweet Tooth” na Netflix.

Nota do autor: 80/100

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