Dos quadrinhos para as telonas, o personagem Chico Bento, criado pelo cartunista e escritor Maurício de Sousa, continua cativante. Suas histórias permeiam a literatura infantojuvenil há anos, porém continuam divertidas e brincalhonas. Ao chegar ao cinema, permanecem cômicas e espirituosas – em grande parte em razão da natureza de Chico Bento, mas também pela vida que o ator mirim Isaac Amendoim dá à personagem.
Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa conta aventuras que a personagem mais caipira criada por Maurício de Sousa vive junto a seus amigos na Vila Abobrinha. Apaixonado pelo pé de goiaba que fica nas terras de Nhô Lau (Luís Lobianco), Chico se vê diante de uma situação em que precisa reunir sua turma para salvar tal goiabeira, que corre o risco de ser derrubada por um projeto de pavimentação da vila. Para isso, o garoto convoca as crianças de sua escola para convencer os adultos, adeptos à execução das obras da “Agripino Road”, que a árvore deve continuar de pé.
A história, em si, gera interesse. É como se uma pessoa que, nunca tendo lido os quadrinhos de Chico Bento, conseguisse entender todos os âmbitos da existência da personagem. Só que o filme vai além e apresenta boas atuações, referências cinematográficas e uma moral: a de que a natureza precisa ser preservada (seja se referindo à goiabeira ou não). O destaque fica com os pequenos atores – não pelo fato de terem protagonismo durante a 1h30 minutos que o longa-metragem apresenta e sim por encarnar, muito vivamente, a essência das personagens. É como se o espectador estivesse diante da versão real dos amigos Zé Lelé, Rosinha, Zé da Roça, Tábata e Hiro.
O destaque, contudo, é dele: Isaac Amendoim, para quem parece que a personagem de Chico Bento foi criada. Tudo é adorável e admirável: o sotaque, os trejeitos, as expressões e as quebras da quarta parede. Com a atuação de Isaac, a história fica ainda mais engraçada e envolvente. Nomes já carimbados na telinha também marcam presença no longa-metragem, como é o caso de Luis Lobianco, Taís Araújo, Débora Falabella, Augusto Madeira e Raul Chequer. Ah, e como uma versão brasileira e carismática de Stan Lee, o próprio Maurício de Sousa faz uma aparição no filme, lembrando o espectador das origens das personagens.
A direção de Fernando Fraiha foi sagaz em colocar referências a obras consagradas da sétima arte: logo no início do filme, quando Chico Bento apresenta seu “era uma vez”, o diretor opta por representar o início da história com uma ligação à obra 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Enquanto a película de ficção científica apresenta macacos diante de um monólito para representar o início da civilização, Fraiha opta por alterar o bloco sólido por uma goiaba. Além de trazer comédia para a situação, é uma forma dos pequenos espectadores criarem repertório cultural. É tarefa dos adultos que estiverem ao lado do público infantojuvenil orientá-lo a respeito de tal hiperlink.
Indo além, o filme ainda faz uma referência a um texto de Martin Niemöller. Embora o trecho original seja sombrio em razão de sua natureza, fruto do holocausto, a artimanha feita em Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa alivia o peso do trecho de Niemöller e apresenta argumentos para conduzir até a moral da história do filme: é preciso cuidar da natureza.
Primeiro levaram as plantas, mas ninguém se importou. Depois levaram os animais, mas como não somos animais, ninguém se incomodou.
O cuidado com a natureza, representada pela paixão de Chico Bento por sua goiabeira “maraviósa” e por sua interação com a personagem de Taís Araújo, é o que move o grupo de amigos. Mesmo que o foco de Chico seja salvar sua árvore preferida, essa lente é ampliada com o passar do tempo. A partir desse detalhe, as crianças despertam a vontade de cuidar do riacho que passa pela Vila Abobrinha, dos animais que são criados por seus moradores e até mesmo de pensar no coletivo e no que implica aderir ao “progresso”. Para Chico Bento, o caminho para o futuro deve ser trilhado em coexistência e preservação dos recursos naturais. Sabendo que se trata de um filme infantil, a forma com que as personagens abordam essas questões garantem que tais mensagens sejam passadas para os públicos mais jovens, o “futuro do planeta”.
De fato, trata-se de um filme infantil. No entanto, por ter feito parte da infância e até mesmo da alfabetização de diversos brasileiros, as histórias de Chico Bento são convidativas e acabam abrangendo um público maior. Assim, todos os públicos são convidados para rir (e muito) com as histórias do maior “goiabalover” de todos.